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Lúcia Falcón fala sobre o Incra

Ao completar um ano à frente da presidência do Incra, em 30 de março de 2016, Maria Lúcia de Oliveira Falcón destaca em entrevista as providências adotadas para modernizar a autarquia e as diretrizes para o estabelecimento de um novo modelo de desenvolvimento agrário.

Primeira mulher a assumir a presidência do Instituto, Lúcia Falcón fala das ações e as parcerias definidas ao longo do primeiro ano de gestão orientadas pelas propostas de modernização tecnológica, atualização de procedimentos, busca de novas fontes de recursos, democratização da gestão, valorização dos servidores e participação social.

Além do balanço de seu primeiro ano de gestão, a presidente projeta as perspectivas de crescimento do Incra e a relação com servidores e movimentos sociais e sindicais do campo. Em outro trecho, ela discorre sobre o conceito de nova ruralidade e as iniciativas para conferir agilidade na atuação da autarquia.

Neste primeiro ano à frente do Incra, a senhora buscou implementar uma abordagem territorial para o desenvolvimento. Qual o significado disso e qual a sua avaliação dos resultados alcançados até agora?
Lúcia Falcón – Qualquer mudança de olhar e de estratégia deve levar em consideração que o Incra tem 45 anos de história acumulada e que passou por várias etapas. Ao longo deste período, foi mudando e compreendendo a necessidade de adaptação aos novos tempos. Hoje, ele se encontra em um momento de redefinição de seu papel, principalmente no que diz respeito à atuação junto às populações em vulnerabilidade social. O novo modelo de desenvolvimento agrário que estamos propondo se assenta no acesso à terra qualificado pelo acesso ao fomento, ao crédito, ao conhecimento, à agroindustrialização e pelo estímulo ao cooperativismo. Tudo isso perpassado por duas ideias fundamentais: a de territorialidade e a de simultaneidade. A adoção oficial do conceito de abordagem territorial nas políticas públicas no Brasil é recente, data do ano de 2003, com os Territórios Rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Ele parte do conhecimento de que políticas setoriais não correspondem ao dinamismo do rural brasileiro nem são suficientes para promover o desenvolvimento dessas regiões rurais. A partir daí, com foco no território, e não simplesmente no setor agropecuário, as políticas de desenvolvimento rural foram ganhando uma escala cada vez maior: dos investimentos em escala municipal, partiu-se para a articulação de vários municípios em torno de objetivos comuns; das políticas isoladas partiu-se para a simultaneidade das ações interministeriais no Programa Territórios da Cidadania. Essa nova ruralidade, que não limita o rural ao setor agropecuário abriu perspectivas interessantes. Pesquisa realizada pelo MDA e pelo IICA (2013), baseada em indicadores que revelam a dinâmica das atividades produtivas e da rede de cidades brasileiras, ao abandonar os critérios formais e legais que baseiam os levantamentos censitários oficiais, constatou que 37% dos brasileiros vivem em espaços caracteristicamente rurais, ao contrário dos 16% indicados pelo censo demográfico do IBGE (2010). Ou seja: a população diretamente afetada por essas políticas é muito maior do que se imaginava.

E qual o impacto dessa realidade na atuação do Incra?
Lúcia Falcón – Não obstante os ganhos, é preciso aprimorar as propostas. No modelo de desenvolvimento agrário proposto para o Incra, os assentados recebem, simultaneamente à terra, formação técnico-científica (formação de capital humano); investimentos para a industrialização da produção da agricultura familiar em diversas escalas (agroindustrialização); e estímulo ao fortalecimento das relações sociais e do cooperativismo nos territórios beneficiários (formação de capital social e articulação dos diversos estabelecimentos familiares, dos menos aos mais dinâmicos). Isso agrega valor à produção dos agricultores familiares, assentados, quilombolas e populações tradicionais, gerando renda para as famílias, com sustentabilidade econômica e ambiental. Em resumo, diria que o novo modelo apresenta possíveis caminhos para a superação da velha dicotomia entre redução da pobreza e dinamização econômica, qualificando a política de reforma agrária e colocando-a como elemento de desenvolvimento econômico, como desafio civilizatório.

A exemplo do que ocorreu em outros países?
Lúcia Falcón – Exatamente. Todos os países desenvolvidos trataram a questão da posse da terra como elemento de eliminação de desigualdades e também como motor de um crescimento econômico sólido. No Brasil, tentaram criar atalhos, o que só nos trouxe graves consequências sob o ponto de vista social e econômico.

E como o Incra pode contribuir para tal mudança?
Lúcia Falcón – O papel do Incra precisa ir além de simplesmente entregar a terra ao assentado. Neste sentido, temos duas linhas de atuação: a primeira é emergencial e se relaciona à posse do lote, resolvendo um problema imediato; a segunda diz respeito a ações estruturantes com o objetivo de destacar a função social da propriedade. A terra precisa ser transformada em elemento gerador de riqueza para quem nela trabalha. É aí que entram os novos arranjos produtivos e sociais. Neste primeiro ano, buscamos redesenhar as políticas agrárias, já que havia uma grande desarticulação das ações. Passamos a ter um fluxo de trabalho com vistas a consolidar os assentamentos e dar condições aos titulares dos lotes para que pudessem encontrar alternativas econômicas viáveis e capazes de fixá-los, evitando a reconcentração da terra.

Em um ano de redução de orçamento, como isso foi possível?
Lúcia Falcón – Costumo dizer que qualquer crise nos oferece janelas de oportunidades. Houve uma redução drástica no orçamento do Incra. Para dimensionar o tamanho do corte, basta observar que, em valores nominais, este ano teremos a metade do que recebemos em 2013. A revisão de programas e ações trouxe uma nova ótica de trabalho. Havia muitas iniciativas desarticuladas, que não dialogavam entre si. Quando mudamos o quadro e buscamos a articulação, tudo ganha maior agilidade e com menor custo. Isto nos permitiu implementar a estruturação de políticas capazes de enfrentar a redução de recursos. E cabe aqui fazer um destaque. As ações mais avançadas em termos de reforma agrária nasceram de reivindicações dos movimentos sociais, que hoje não querem apenas crédito.

Cite exemplos de iniciativas que conferiram maior agilidade à atuação do Incra.
Lúcia Falcón – A primeira delas se refere à obtenção de terras. Criamos normas que aceleraram e desburocratizaram os processos. Estabelecemos uma parceria inédita com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que agilizará a adjudicação das terras de devedores da União para a reforma agrária. Além disso, acabamos com o pagamento de juros compensatórios. Uma outra frente, que ainda depende de análise da Advocacia Geral da União (AGU), é a que destina para reforma agrária as terras de fazendeiros que utilizam trabalho escravo. Criamos ainda uma força tarefa com a finalidade de aprovar, em um prazo de 30 dias, os processos de obtenção de terras. Eliminamos os gargalos burocráticos e racionalizamos todo o trabalho.

A senhora mencionou iniciativas que se referem à obtenção e regularização de terras. E aquelas que dizem respeito ao viés do desenvolvimento econômico?
Lúcia Falcón– As ações articuladas dos programas Terra Sol e Terra Forte merecem destaque. Aproveitamos a experiência exitosa do Acre com as parcerias público-privadas comunitárias. Há ainda o novo manual do Pronera, que privilegia e estimula o aproveitamento do aluno em cooperativas de assentados e pequenos produtores. O Incra investiu pesado na formação profissional dos jovens, inclusive com a concessão de bolsas de pesquisa.

Como o Incra se preparou internamente para a nova fase?
Lúcia Falcón – Trabalhamos em duas frentes, a democratização da gestão e a modernização tecnológica. Na primeira, instituímos a diretoria colegiada e a Junta Orçamentária e Financeira (JOF). As duas estruturas conferem maior transparência à gestão, estabelecendo um novo paradigma. Na segunda, concentramos esforços no sentido de dotar o Incra de recursos modernos, como a integração dos sistemas estruturantes como o SNCR e o Sipra, a digitalização e informatização dos processos por meio da implantação do Sistema Eletrônico de Informação (SEI). Temos ainda, no campo do sensoriamento remoto e gestão fundiária, perspectivas de acesso e compartilhamento de imagens de satélite em alta resolução, a aquisição de veículos aéreos não tripulados (VANTs), entre outras frentes. Esse conjunto de medidas alinha a atuação do Incra com o que há de mais moderno, agilizando todo o nosso trabalho de governança fundiária. Este é um marco em termos de inteligência territorial.

Neste primeiro ano à frente do Incra, como a senhora avalia a relação com os servidores?
Lúcia Falcón – A direção do Incra participou diretamente das negociações com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) sobre a questão das carreiras. Além disso, o ministro Patrus Ananias recebeu um relatório acerca da necessidade de recomposição do nosso quadro de servidores. Internamente, foi criado um grupo de trabalho de reestruturação das carreiras. Tudo o que estava ao alcance da direção foi feito, mas nem tudo depende de nós. Mantivemos sempre aberto o canal de interlocução com os servidores.

O que mudou na relação com as superintendências?
Lúcia Falcón – Historicamente, as superintendências regionais refletem a correlação das forças políticas nos Estados. Buscamos melhorar a qualidade dessa relação, estabelecendo um acordo de gestão. Nele, foram assumidos compromissos com as metas estabelecidas pela administração central. Houve uma pactuação no que diz respeito aos processos de obtenção de terras.

Durante muitos anos, o Incra teve a sua imagem associada ao desmatamento, principalmente na Região Norte. O que foi feito para mudar esta percepção?
Lúcia Falcón – Recentemente publicado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o livro “Desmatamento nos Assentamentos da Amazônia: Histórico, Tendências e Oportunidades” é fruto de uma parceria de dois anos entre o Ipam e o Incra. A publicação realizou profunda análise com base nos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) disponibilizados pelo Programa Prodes. Os fatos apontam para uma resposta da reforma agrária na ordem de 30% do total desmatado nos últimos quatro anos na Amazônia. No entanto, o estudo desmistifica a associação direta da imagem do Incra ao desmatamento por meio de dados concretos.

Quais são os principais dados levantados?
Lúcia Falcón – Em primeiro lugar, a taxa de desmatamento em assentamentos acompanha a redução geral do desmatamento observada no período de 2004 a 2014. Verificou-se ainda que os assentamentos criados depois de 1997 foram estabelecidos com um passivo médio de 41%. Destaca-se ainda o fato de que 28% do desmatamento identificado nos assentamentos ocorreram em polígonos inferiores a 10 hectares. Os demais 72% ocorreram em polígonos superiores a 10 hectares, o que indica vetores alheios à agricultura familiar. Além dos resultados da ampla pesquisa realizada sobre a dinâmica do desmatamento em assentamentos, o Incra vem mantendo os compromissos assumidos em protocolo de intensões com o Ministério Público Federal desde 2013 e caminha para inserir, dentro do prazo estabelecido pelo Novo Código Florestal, o perímetro dos assentamentos de todo território nacional no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Em seguida, será realiza a inserção dos lotes. Após a fase de cadastro os órgãos estaduais de meio ambiente deverão realizar a análise para que possamos entrar na fase do Programa de Recuperação Ambiental (PRA). A adesão do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Incra a essa política poderá, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e demais pastas interessadas, gerar o desenvolvimento de políticas nacionais de produção de sementes e mudas, pagamentos por serviços ambientais, por exemplo. Isso decorrerá da valorização dos ativos e recuperação dos passivos ambientais. O Incra hoje apresenta de forma concreta que a reforma agrária vai muito além da distribuição de terras, incluindo elementos como o reconhecimento de povos e comunidades tradicionais, o desenvolvimento sustentável e a inclusão socioprodutiva.

A senhora falou em potencial arrecadatório. Como o Incra vem trabalhando a geração de receitas?
Lúcia Falcón – A reforma agrária necessita de recursos para ser implementada. O Incra encarou o desafio de identificar receitas. A primeira delas é o reajuste das taxas cadastrais. Além disso, há uma articulação com o Governo e com parlamentares no sentido da criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Agrário. Creio que, se instituído, ele ampliará consideravelmente a nossa capacidade de atuação. Também estamos considerando o que chamo de abrir as portas e as janelas para ventilar a casa. Não não somente pelos difíceis tempos que estamos passando, mas por uma necessidade de modernização o INCRA precisa estabelecer cooperações técnicas com agentes financiadores nacionais e internacionais que estejam dispostos a investir na reforma e no desenvolvimento agrário.

Como a senhora vê a relação do Incra com os movimentos sociais?
Lúcia Falcón – Pautamos a nossa relação com os movimentos de expressão nacional pela franqueza e pelo respeito mútuo. Neste sentido, buscamos nos antecipar a mobilizações como o Abril Vermelho ou a Marcha das Margaridas, construindo uma pauta de negociações baseada no diálogo aberto. Como disse antes, os movimentos sociais são parceiros importantes na implementação das políticas agrárias. Divergências pontuais fazem parte do processo, mas não inviabilizam a interlocução.

Fonte e foto: Ascom/Incra

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