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Sem a respiração ofegante da máscara, o usuário do transporte público sente as melhorias da oferta do serviço no pós-pandemia
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Transporte coletivo melhorou no pós-pandemia

Mais da metade da distância percorrida pelos brasileiros foi feita através de transporte coletivo

Por Izabella Portella 

Sem a respiração ofegante da máscara, o usuário do transporte público sente as melhorias da oferta do serviço no pós-pandemia

Altas horas da madrugada e o céu escuro começa a alaranjar: a alvorada se anuncia. Os sutis e agradáveis primeiros raios de sol dão uma coloração vermelho-amarelada, comuns a cada início de dia nas terras sergipanas. O café preto puro, como se feito para despertar, ainda nas garagens, ao mesmo tempo que a primeira fornada sai das padarias: o trabalhador já acordou! A partida para aquecer o motor, sorriso no rosto e um batalhão de colaboradores prontos para fazer a cidade andar, literalmente. Do lado de lá, o cuscuz com ovo abraça o estômago, mas não há muito tempo para afagos. Há que se chegar no horário para não perder o coletivo que leva ao terminal de integração. O dia vai começar!

É neste cenário que trabalhadores e usuários do sistema de transporte público se encontram diariamente. No pós-pandemia, a máscara, ainda bem, já não é mais companheira inseparável e respirar, finalmente, pode voltar a ser um simples reflexo humano. Porém, não sem carregar, junto com o ar que entra e sai dos pulmões, o sentimento de gratidão por ter sobrevivido a tudo aquilo.

Conduzindo a vida

Gilson Xavier é agente comercial e dos oito anos que trabalha no setor de transportes, foi cobrador durante cinco. Felizmente, para ele, os efeitos da pandemia não foram tão severos. “Durante a pandemia nós fizemos uma escala para poder manter o sistema funcionando. Trabalhávamos metade do expediente e íamos para casa. Eu não tive medo, fazia o uso da máscara e do álcool em gel, além de manter a distância necessária e ia seguindo. Fiz o teste e nunca deu positivo para a COVID-19. Sinto que as coisas estão sendo retomadas e que aos poucos estamos voltando à normalidade”, comemorou.

Terezinha Conceição dos Santos trabalha vendendo doces e salgados no Terminal dos mercados há mais de 24 anos e contou como a pandemia abalou o seu pequeno negócio. “As pessoas ficavam com muito medo. Se eu pegava em uma pipoca ninguém mais queria, com receio de se contaminar. Eu voltava ainda com café na garrafa para casa, porque até mesmo ele, que as pessoas sempre tomavam para esquentar o dia, ficou sem consumo. Foi graças a Deus e à fé que tenho que consegui manter minha vendinha de pé”, relembrou.

Mas, o cenário atual dos negócios de Terezinha não lembra nem ao longe os tempos difíceis. “Hoje está uma benção. Com essa reforma do terminal cabem mais ônibus e aí vem mais gente comprar comigo. Toda hora chega um e eu estou aqui cheia de gente para atender. Graças a Deus, eu não paro. Chego aqui às seis da manhã e, se brincar, 21h estou arrumando minhas coisas para fechar e ainda tem gente querendo comprar. Essa modernidade de dinheiro virtual ajuda e muito, viu? É uma facilidade muito grande”, explicou a comerciante.

Recargapay

Falando em modernidade, o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Município de Aracaju (Setransp) em parceria com a Prefeitura Municipal, aderiu, em fevereiro de 2022, ao Recargapay, aplicativo e sistema de vendas de passagens para transportes coletivos. Segundo informações na loja de vendas do aplicativo, com o Recargapay é possível, por exemplo, fazer a recarga da carteirinha de ônibus via PIX, com a inclusão imediata dos créditos e a possibilidade de cashback de até 5%. O sistema já é utilizado em grandes centros metropolitanos como as cidades de São Paulo (SP), Recife (PE), São Luís (MA), Maceió (AL) e Salvador (BA).

Em Sergipe, a chegada do Recargapay aconteceu concomitante à inclusão de 46 linhas de ônibus, que circulam em Aracaju e região metropolitana, ao pagamento da passagem por meio da bilhetagem eletrônica. A implantação do modelo iniciou em 2007 e foi concluída em 2022, excluindo a necessidade de manipulação de dinheiro físico para o acesso ao transporte público, colaborando com a diminuição do contágio por carga viral e até mesmo no aumento da segurança.

Fatos e dados

De acordo com um relatório de 2014 do Sistema de Informações da Mobilidade Urbana, da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), ainda que seja responsável por apenas 30% das viagens feitas nas maiores cidades do país, o transporte individual (carros e motos) recebe três vezes mais recursos públicos do que o transporte coletivo. A pesquisa ainda informou que mais da metade da distância percorrida pelos brasileiros naquele ano foi feita através de transporte coletivo, além de alertar para o custo muito superior que modais de trânsito individuais causam em relação aos acidentes de trânsito. O transporte coletivo foi responsável por um gasto de R$2,2 bilhões, enquanto o transporte individual consumiu R$13 bilhões.

A plataforma MobiliDADOS revelou que a taxa atual de motorização no Brasil é de 471 veículos para cada 1000 habitantes. O índice em 2001, ano do início da sistematização dos dados, era de 168 carros por 1000 habitantes, quase três vezes menor. Levando em consideração as informações anteriores e o menor investimento das gestões públicas no transporte coletivo em relação aos individuais, pode-se concluir que a mobilidade urbana no Brasil piorou nos últimos anos, com o aumento sistemático de veículos de uso individuais nas cidades, o que torna o fluxo de trânsito mais difícil e os recursos direcionados ao transporte coletivo percentualmente menores, aprofundando os problemas e distanciando-se, dia após dia, de soluções efetivas.

Licitação

Apesar da inovação, reclamações a respeito da qualidade do serviço ofertado por parte das empresas de ônibus é recorrente. Para Ronivaldo dos Santos, vendedor e usuário do transporte público, falta uma maior oferta na quantidade de ônibus para as linhas. “Eu chego aqui no terminal cedo, todos os dias, e infelizmente fico esperando de uma hora e meia a três horas entre um ônibus e outro. Na minha opinião, é importante que coloquem mais ônibus para rodar porque a população precisa se movimentar”, disse.

Parte da solução ao questionamento de Ronildo e de outros usuários do sistema parece ser alcançada a partir da licitação do transporte público. Com um certame às claras e a partir da segurança contratual, é possível que a própria gestão pública exija e fiscalize de forma mais efetiva as empresas que ofertam o serviço de transporte, ao passo que empresas idôneas tenham mais tempo e segurança jurídica para investir recursos em uma melhor oferta de seus serviços e tenham esse retorno de seus investimentos, promovendo a sustentabilidade do serviço e uma melhoria considerável na mobilidade urbana.

“Apesar de não ser a saída para absolutamente todos os problemas encontrados na prestação de serviço do transporte público, é no processo licitatório que diversos anseios da população podem ser colocados em pauta e, finalmente, sanados, a exemplo da priorização dos ônibus nas vias, oferecendo um melhor desempenho, com mais agilidade, para os passageiros e uma distribuição equânime dos veículos nas linhas pela cidade”, disse Raissa Cruz, superintendente do Setransp .

A superintendente ainda explica que no momento que a licitação do transporte público estiver em discussão, pode-se averiguar a possibilidade de fontes de custeio extra tarifárias, a exemplo de subsídios e desoneração de custos, além de outras questões caras ao consumidor final e à gestão pública. “Também é possível que os órgãos fiscalizadores tenham previsões de novos investimentos e quais condições devem existir para a operação do serviço de transporte público. Os ônibus são responsáveis por 75% dos deslocamentos diários, então, com toda certeza, um processo regulatório desse sistema irá impactar de forma muito positiva a mobilidade urbana da cidade”, finalizou.

Fotos: Marcos Macedo

 

 

 

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