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O mundo novo que emergirá da Covid-19

Jorge Santana*

O surgimento do novo coronavírus – Sars-CoV-2 – e a impactante pandemia da doença por ele provocada, a Covid-19, estão provocando um natural debate sobre o que será da civilização a partir dessa ocorrência para a qual, por negligência ou soberba, o homo sapiens não se preparou.

Nunca antes se falou tanto em “novo normal” e em aceleração de disrupções (modelos de negócios que rompem e muitas vezes destroem padrões vigentes), a partir de um consenso de que “o mundo não será mais o mesmo”, alguns acreditando que o vírus se torne um divisor de eras (AC, antes do corona; e DC, depois do corona).

O fato é que o novo coronavírus e a estratégia de distanciamento social, com lockdown em alguns lugares, paralisou o mundo, trazendo um vasto conjunto de efeitos, muitos deles certamente capazes de redesenhar, não somente agora, mas em definitivo, valores, hábitos de consumo, formas de trabalhar e de estudar, dentre muitos outros.

A pandemia, enquanto catalisador do colapso social, antecipa e radicaliza mudanças que já estavam em curso, como o trabalho remoto, a educação a distância, o desenvolvimento sustentável e a cobrança da sociedade por mais responsabilidade social das empresas.

Outras mudanças mais incipientes ganham força diante da revisão de valores provocada por uma crise sanitária sem precedentes, a exemplo do florescimento de valores como solidariedade e empatia, e o questionamento do modelo de sociedade baseado no consumismo e na centralidade do lucro.

Partindo da premissa de que os efeitos da pandemia podem durar até dois anos, uma vez que sejam necessários pelo menos 18 meses para haver uma vacina contra o vírus, deveremos conviver com a alternância entre períodos de abertura e de isolamento durante esse período, tornando definitivas transformações nos modelos de negócios, nas relações sociais, na cultura e na relação do cidadão com o espaço público.

Há quem afirme que a ordem global construída com combustíveis fósseis teria chegado ao fim e, abaixo do império dos hidrocarbonetos em colapso, surge uma economia verde. Nesse aspecto, caso a concepção negacionista vigente no governo central não impeça, o Brasil poderá capturar uma imensa oportunidade, dado seu potencial para produzir energias renováveis e sua invejável biodiversidade.

O advento de um novo capitalismo, que já vinha sendo proposto a partir do esgotamento do modelo atual e sua incorrigível capacidade de produzir desigualdade social, será inevitável. Essa nova versão do capitalismo, mais humano e solidário, tem como fundamentos criar valor para os clientes, investir nos empregados e se contrapor à crescente precarização das relações de trabalho, promover a diversidade e inclusão, lidar com os fornecedores e os governos de maneira ética, apoiar as comunidades em que atuam e proteger o meio ambiente.

Compelidas a gastar menos por conta da severa crise financeira provocada pela pandemia, as pessoas começam a rever seus hábitos de consumo e movimentos como “menos é mais” ganham impulso. As consequências para praticamente todos os setores da economia são imensuráveis, considerando a importância econômica atual de produtos supérfluos, do luxo e das grifes.

Os cuidados com a saúde e o bem-estar deverão se perpetuar e se estender aos locais públicos, especialmente os fechados, pois o receio de espaços com aglomeração deve permanecer. E aqui reside um desafio para lojas, bares, restaurantes, cafeterias, academias e coworkings, que devem redesenhar seus espaços para reduzir a aglomeração e facilitar o acesso a produtos de higiene.

Como se não bastasse o receio do consumidor em frequentar as áreas comerciais e os shoppings, o comércio eletrônico e os serviços de entrega, que crescem vertiginosamente nesse período em que as pessoas estão isoladas em suas casas, estimulam ainda mais o consumo a distância, afetando drasticamente o varejo tradicional.

O home office, até então uma realidade para poucos, vai se tornar uma alternativa efetiva para um sem número de empresas dos mais diversos segmentos e portes, que tiveram que experimentá-lo no período de distanciamento social.

Por outro lado, o teletrabalho impacta o transporte e a mobilidade urbana, na medida em que reduz a necessidade de deslocamentos, além de possibilitar que os espaços físicos ocupados pelas sedes das empresas sejam menores.

De modo semelhante, a expansão da educação a distância vai se acelerar, com maior ênfase nas salas de aula virtuais com mentores online. Essa expansão atinge em cheio um dos segmentos mais fortes da economia, a Educação, que já vinha experimentando o ensino a distância como oferta complementar e, em muitos casos, marginal no modelo de negócios ainda fortemente orientado a aulas presenciais.

As experiências culturais imersivas que começamos a experimentar no período da pandemia, como shows e espetáculos online e tours virtuais a museus, certamente irão moldar a forma de consumir cultura daqui para a frente.

Os hábitos de viagem mudarão radicalmente, com uma redução significativa nas viagens de negócios, que serão substituídas pelas videoconferências utilizadas em larga escala durante o período do distanciamento social. Já as viagens de lazer tendem a ser mais curtas e para lugares com baixa concentração de pessoas. O impacto dessas mudanças de hábito sobre a extensa cadeia produtiva do turismo é por demais preocupante.

Não restam dúvidas, portanto, que o novo coronavírus está se tornando um agente capaz de promover uma acentuada inflexão na curva da trajetória da história da civilização, mesmo que alguns dos efeitos aqui mencionados ocorram em menor escala.

Tudo isso sem considerar outras repercussões igualmente relevantes, como os riscos à democracia e à privacidade pessoal, e a reconfiguração da geopolítica das nações. Mas vamos deixar esses aspectos para uma próxima reflexão.

*Jorge Santana é engenheiro e empresário.

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