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Chame o Severino

Jornalista Marcos Cardoso

Plagiando o filósofo, na presidência da Câmara dos Deputados, a história se repete como tragédia e como farsa*. Se não fosse trágico, o mandato de Eduardo Cunha entraria para o anedotário nacional como uma farsa burlesca, motivo de chacota e de piada.

“Está muito ruim. Você só ouve piadas”, adiantou-se o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, para não perder o motivo da graça. O pernambucano de 84 anos, que renunciou em 2005 acusado de receber propina, hoje avalia que a instituição piorou muito e dá a receita dos seus bons tempos. “Na minha gestão era porta aberta, todo mundo tinha entrada. Não tinha esse negócio de ‘eu sou o dono do mundo'”.

É o sujo falando do mal lavado, mas serve. Cunha, dentre outras referências nefastas, é acusado por um delator da Operação Lava Jato de receber US$ 5 milhões em propina e ainda quer construir um shopping exclusivo dentro do Congresso. Severino, coitado, foi acusado pelo dono de um restaurante da Câmara de cobrar-lhe módicas mensalidades de R$ 10 mil, ou fecharia o estabelecimento.

Hoje, ele dá o troco: “Se ele participou de alguma coisa danosa, ele tem que pagar também. Não é porque ele é presidente que não vai pagar”. Severino defende que, caso se comprove as denúncias em torno de Cunha na Operação Lava-Jato, o atual presidente da Câmara deveria renunciar. “Se for comprovado que ele recebeu esse dinheiro, não tem condição. Se não renunciar, deveriam cassar o mandato dele. Se for provado [o recebimento de propina]”, cobrou.

O atual mandatário da Câmara é criticado por manobras diversionistas para impor seu gosto pessoal, quando não a opinião de parte de seu partido e de suas convicções, como nas votações da reforma política e da redução da maioridade penal. Ele “vem tomando umas posições um pouco confusas”, observa de longe o Severino. “Está havendo um certo tumulto. A coisa tem que ser fiscalizada. Quem deve tem que pagar”, repete, finalizando com uma lição ética: “A Câmara tem que mostrar à nação que não compactua com bandalheira”. Veja só…

Chame o Severino, que é menos nocivo. Como diria um ilustrado comunicador, é um trombadinha perto de Eduardo Cunha, emérito trapaceiro desde os tempos de tesoureiro, no Rio, da campanha presidencial de Fernando Collor, quando chegou a ser réu em um dos processos do esquema PC Farias, além de acusado de vários casos de corrupção quando presidente da Telerj e da Cehab, a Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro.

Agora, como numa caricatural farsa, ele descobriu uma ação conjunta entre o governo e o Judiciário para prejudicá-lo. Como se o juiz Sergio Moro, o mesmo que denunciou membros do governo e parlamentares governistas, estivesse agora agindo juntamente com o governo para derrubá-lo. É ou não motivo de piada?

Mas, antes de ser ridicularizado, Eduardo Cunha é homenageado pela imprensa. Como lembra o filósofo Vladimir Safatle, ele, que não dá explicações a respeito das graves acusações encaminhadas pelo procurador-geral, presta bom serviço ao contestar o governo Dilma Rousseff. “Infelizmente, atualmente, basta o distinto deputado ser antigovernista para ser poupado por certo setor da imprensa nacional com sua indignação moral seletiva. Pois pergunte-se quantas vezes você leu algum artigo sobre o histórico completo do senhor Cunha”, observa o professor da USP.

“É neste ambiente – diz Safatle, estendendo a análise para o Legislativo nacional – que o país viu feitos congressuais notáveis como o aumento do fundo partidário em plena situação de crise econômica, a votação de uma lei que desmantela por completo os direitos trabalhistas, deputados evangélicos votando a redução da maioridade penal e dando uma grande mostra de sua leitura peculiar de amor cristão, além da criação de uma reforma política que visa garantir as condições para a perpetuação da casta de políticos que temos. Tudo isto capitaneado pelo senhor Cunha.

“Outro folclórico presidente da Câmara, o cearense Paes de Andrade, falecido há um mês, aos 88 anos, teve a felicidade de assumir não por uma, mas por 12 vezes, a Presidência da República. É que o governo José Sarney não possuía vice-presidente e o dirigente da Câmara era a segunda autoridade na linha sucessória. Certa vez, numa singela homenagem ao seu torrão natal, Paes de Andrade fez um governo itinerante e transferiu a sede do poder para a sua querida Mombaça, 304 quilômetros de Fortaleza. Morreu alegremente marcado pelo apelido de Presidente Mombaça. Essa alegria certamente Cunha jamais terá. Toc toc toc!

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* “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.” (Karl Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, Capítulo I)

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