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Sua Excelência, a eminência parda

Conta que durante o reinado de Luís XIII (1610-1643), o Cardeal Richelieu fazia e desfazia na França. Vestido com o tradicional hábito púrpura, era conhecido como Eminence Rouge — eminência por causa do tratamento dispensado aos cardeais.

François Leclerc, ex-marquês de Tremblay, que se retirou da vida mundana e ingressou na Ordem dos Capuchinhos com o nome de Frei José, tornou-se o secretário, conselheiro e confidente do Cardeal Richelieu.

O Cardeal exercia influência direta sobre o rei, mas ele próprio era influenciado pelo Frei José e a “autoridade” que este exercia sobre Richelieu fez dele uma das pessoas mais poderosas da França, apesar de não possuir cargo oficial. Pela importância que tinha e pelo hábito cinzento que vestia, passou a ser conhecido como Eminence Grise (eminência cinzenta, daí eminência parda).

Na política, a expressão eminência parda significa a pessoa que, atuando nos bastidores, exerce secretamente o poder. Tem a finalidade de designar aquele que permanece na sombra, sem aparecer em demasia, mas que através de maquinações e conchavos consegue força suficiente para influenciar de forma direta as decisões dos que estão legitimados no poder.

Até pela barba capuchinha, Flávio Conceição de Oliveira Neto era o retrato contemporâneo do Frei José. A própria eminência parda.

Misterioso, discreto, então pouco conhecido do público, mas conhecedor profundo do poder público, ele exerceu seu poder secreto por um bom par de décadas. Concluiu seu ciclo como homem influente sendo elevado ao mais cobiçado de todos os cargos, de conselheiro do Tribunal de Contas. Cargo, aliás, estranhamente importante. Ou, dos menos importantes, o mais importante de todos.

Engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Flávio presidiu o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) no governo de Antônio Carlos Valadares, foi diretor do Projeto Nordeste no governo de Albano Franco, quando, durante um breve tempo, dirigiu a Casa Civil.

Foi secretário de Estado da Casa Civil do governo João Alves Filho, o seu Richelieu e sobre o qual conseguiu passar uma corda e dar um nó. João queria nomear para o céu que é o Tribunal de Contas (estranho céu) o amigo deputado federal então reeleito José Carlos Machado. Não conseguiu.

Uma conjuração se fez em torno de “Frei José” e 20 deputados da base aliada e da oposição se juntaram para bendizê-lo. Machado percebeu que tamanha associação não era páreo para ele. Azar do saudoso Pedrinho Valadares, que sonhava em ver o itabaianense no Tribunal de Contas para poder ascender de novo à Câmara Federal. Pedrinho não se reelegeu e ficou na suplência.

Diziam que Flávio Conceição era lobista, mas até então não havia nada contra ele. Como gestor, respondeu a alguns processos na Justiça. E, ironia do destino, até já havia frequentado o Tribunal de Contas, respondendo por procedimento licitatório inadequado, quando dirigia o DER. Nada que o condenasse.

Quando compareceu à sabatina na Assembleia Legislativa, para onde acorreram deputados que não tinham nada a ver com a comissão que o — vamos dizer assim — inquiria, foi tratado como o próprio Richelieu. Posteriormente, o deputado Augusto Bezerra apresentou o relatório conclusivo sobre a indicação para conselheiro do egrégio Tribunal de Contas do Estado. Aprovado.

Flávio Conceição de Oliveira Neto, com sua barba capuchinha de Frei José, desfez qualquer dúvida que ainda pudesse restar sobre o seu prestígio quando foi empossado no cargo de conselheiro do Tribunal de Contas de Estado em dezembro de 2006, reunindo o crem de la crem das autoridades sergipanas.

Seis governadores estavam presentes, ou seja, quatro ex-governadores — Seixas Dória, Antônio Carlos Valadares, Albano Franco, além de Gilton Garcia, ex-governador do Amapá —, o ainda governador João Alves Filho e o quase governador Marcelo Déda. Os deputados estaduais mais uma vez foram unânimes na sua aprovação e estavam todos os 24 lá.

E havia outra unanimidade sobre a eminência parda: todo o mundo político falava bem dele, um sujeito cordial, cumpridor da palavra, que sabe agradar. Era o verdadeiro “amigo dos amigos”. E age como um verdadeiro mineirinho, em silêncio, sem se preocupar em aparecer, embora seja “um baiano criado no Rio de Janeiro”.

Quis o destino que um dia se encontrassem o budista Zuleido Veras, dono da Construtora Gautama, e o Frei José. Não se sabe exatamente quando. Os dois, ao lado de 48 denunciados na Operação Navalha, foram citados no despacho da então ministra do STJ, Eliana Calmon, relatora do processo e autora dos mandados de prisão, busca e apreensão. Por causa do conselheiro e do governador do Maranhão, Jackson Lago, que tinham, por disposição constitucional, prerrogativa de função, o inquérito foi deslocado da Justiça Federal na Bahia para o Superior Tribunal de Justiça.

Flávio Conceição e João Alves Neto apareciam logo no segundo nível do despacho, onde estavam agrupados os auxiliares e intermediários que, “mediante o recebimento de vantagem indevida, valem-se da influência que possuem para ‘convencer’ os agentes públicos à prática dos atos necessários a que a organização criminosa alcance os seus objetivos ilícitos”.

A então ministra Eliana Calmon descreveu: “Flávio Conceição de Oliveira Neto, de chefe da Casa Civil do governador João Alves Filho passou a conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, participando da organização criminosa como elo de ligação entre o Governo do Estado e Zuleido Veras, do qual recebeu, diversas vezes, em recompensa pelos serviços prestados, vantagens indevidas”.

A autoridade do STJ prossegue afirmando que, mesmo “no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, este investigado não se afastou do grupo; ao contrário, intensificou sua atuação de auxílio ao grupo, conforme demonstram os diálogos telefônicos interceptados”.

Prossigamos então no texto da então ministra do STJ: “No exercício do cargo de chefe da Casa Civil do Governo do Estado, foi ele quem conseguiu junto ao diretor da Deso o desvio de R$ 600 mil para a Gautama, como uma medida emergencial; pediu, em diversas oportunidades, ajuda financeira a Zuleido Veras, destacando-se o pleito formulado em 6 de setembro de 2006, no valor de R$ 216 mil, que deveria ser entregue a João Alves Neto, filho do então governador de Sergipe”.

“Após ter assumido o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe — afirma Eliana Calmon —, pleiteou a autoridades do Governo de Sergipe a liberação de recursos devidos à Gautama e articulou o direcionamento de novas obras à empresa, como a do município de Aquidabã”. E a revelação importantíssima: “Usando sua influência no TCE/SE, (Flávio Conceição) conseguiu a suspensão de um processo de licitação que estava sendo feito pela Deso para contratar empresa de auditoria fiscal e contábil para auditar sete obras dirigidas pelo órgão”. Fecha parágrafo.

Mas tudo isso perdeu-se, não vale de nada, desde que o próprio STJ decidiu anular as provas, principalmente telefônicas, juntadas pela Polícia Federal na Operação Navalha. Flávio Conceição, que já possui duas condenações por outros processos, inclusive no STJ, quer voltar ao Tribunal de Contas, o que é desejo de seis dos sete conselheiros. Conseguirá?

Sobre a liberdade de imprensa

Frase de Pierre Augustin Caron De Beaumarchais (1732-1799) pinçada do Ato V da peça As Bodas de Fígaro: “…contanto que eu não fale em meus escritos nem da autoridade, nem do culto, nem da política, nem da moral, nem das pessoas de boa situação, nem dos corpos que têm prestígio, nem da ópera, nem dos demais espetáculos, nem de ninguém que esteja ligado a qualquer coisa, posso imprimir tudo livremente, sob a inspeção de dois ou três censores.”

*  Marcos Cardoso é jornalista, autor de “Sempre aos Domingos: Antologia de textos jornalísticos”.

 

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