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Sem anistia para golpistas

Por Marcos Cardoso*

O 8 de janeiro de 2023 provavelmente não teria acontecido se o Brasil não tivesse anistiado quem promoveu a ditadura e praticou torturas em nome do Estado. A Lei da Anistia (lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979) anistiou todos os que cometeram violação “de qualquer natureza” relacionada aos crimes políticos ou praticados por motivação política no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.

Passeata do Movimento pela Anistia. SP. 1979. Arte sobre foto de Juca Martins.

O período coberto pela anistia tem início no primeiro ano do governo de João Goulart, presidente que sofreu o golpe em 31 de março de 1964, há quase 60 anos. A ditadura durou até 1985. Foi a anistia possível, considerando aquele contexto político.

A lei, que preparou o caminho para o fim da ditadura, permitiu que dissidentes retornassem do exílio sem correr o risco de se tornarem prisioneiros políticos, mas blindou os agentes contra qualquer responsabilização pelos crimes de tortura, sequestro, desaparições forçadas e assassinatos cometidos contra opositores do governo.

A anistia proporcionou momentos de muita emoção para os familiares e amigos de cerca de 7 mil exilados por força de perseguição política que puderam regressar ao Brasil. Nomes conhecidos como Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, Francisco Julião, Herbert de Souza (Betinho), Fernando Gabeira, Vladimir Palmeira, Carlos Minc e Paulo Freire retornaram ao país.

A adoção da Lei de Anistia também permitiu que prisioneiros políticos fossem soltos e que trabalhadores que militavam no movimento sindical e ativistas do movimento estudantil fossem reincorporados sem punições aos seus empregos e instituições de ensino, anulando a inelegibilidade de políticos que tiveram seus direitos cassados por atos institucionais da ditadura.

Benefícios relacionados à Lei da Anistia foram concedidos posteriormente. Em maio de 2009, a 23ª Caravana da Anistia do Ministério da Justiça julgou, na sede da OAB em Aracaju, 34 processos de sergipanos que se declararam vítimas do regime militar: 22 processos foram deferidos, as vítimas declaradas anistiadas e o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior, em nome do Estado brasileiro, desculpou-se pelo sofrimento causado a cada um desses cidadãos que ousaram lutar pela democracia. Dezoito anistiados tiveram reconhecido o direito de serem indenizados ou de terem corrigidas indenizações anteriormente conquistadas.

Dentre outros, foram indenizados João Augusto Gama, Benedito Figueiredo, Jugurta Barreto, Agamenon de Araújo Souza, José Alexandre Felizola Diniz, Rosalvo Alexandre, José Côrtes Rollemberg Filho, Delmo Naziazeno, Antônio Vieira da Costa, Zelita Correia, Walter Oliveira Ribeiro e Antônio José de Góis, o Goizinho. Para o radialista e deputado estadual cassado Santos Mendonça e o poeta Mário Jorge, ambos já então falecidos, os familiares pediam apenas que o Estado declarasse reconhecer o sofrimento causado e os anistiasse.

No entanto, a tortura dificilmente resultará em indenização. Por isso a Ordem dos Advogados do Brasil entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal questionando a prescrição e a responsabilização de crimes de tortura praticados durante o regime militar. A ação contestava a validade do primeiro artigo da Lei da Anistia, que considera como conexos e igualmente perdoados os crimes “de qualquer natureza” praticados por motivação política naquele período.

Em abril de 2010, a Corte rejeitou o pedido da OAB para que anulasse o perdão dado aos representantes do Estado (policiais e militares) acusados de praticar atos de tortura durante o regime militar.

Todos os militares e civis envolvidos com crimes cometidos no período foram beneficiados pela Lei da Anistia. Dentre eles, notórios torturadores, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou, entre 1969 e 1973, um centro de tortura no extinto Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), órgão máximo de repressão da ditadura militar. Ustra torturou pessoalmente a ex-presidente Dilma Rousseff e é um ídolo para Jair Bolsonaro.

Na Argentina e no Chile, generais e até ex-presidentes acabaram sendo condenados na justiça pelos atos cometidos nas ditaduras daqueles países. No Brasil, a sensação de impunidade contribui para alimentar o sentimento de que a ditadura militar foi um evento de menor gravidade, que ganhou ares de saudosismo com o bolsonarismo. Com a eficiente propaganda maciça da extrema direita, difundiu-se a falsa ideia de que naqueles dias o Brasil vivia em paz e prosperidade, criando-se um clima de que valia a pena tentar de novo. Esse caldo de falso saudosismo sustentou o golpismo de Bolsonaro e seus seguidores apaixonados pelos quartéis, resultando no 8 de janeiro.

Agora o Brasil tem a oportunidade de, se não reparar, pelo menos não repetir um erro histórico. O Brasil não pode cometer outra vez o erro de anistiar golpistas, a começar por punir severamente o cabeça de todos eles, Jair Messias Bolsonaro. Sob pena de vivermos eternamente ameaçados pelo fantasma da ditadura.

*Jornalista.

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