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Os “Anos de Chumbo” e o sequestro do major João Teles de Menezes

Por Afonso Nascimento *

Em 1970, o major João Teles de Menezes foi sequestrado por militares em Aracaju e depois levado ao 28 BC. Tinha sessenta e sete anos e andava muito envolvido em suas atividades empresariais, tanto isso é verdade que fundaria nesse ano a Cooperativa Sergipense de Laticínios (CSL), da qual foi seu primeiro diretor-presidente. No contexto político do regime militar, vivia-se o período mais violento do regime militar recheado de tortura, prisões estudantis, lutas de grupos armados, etc. O ditador de então era o general Emílio Garrastazu Médici.

O mais importante historiador sergipano, Ibarê Dantas, registrou essa prisão, contudo pode não ter percebido que os novos atos arbitrários, sem ordem judicial, completamente fora da lei, eram parte de uma ação que aconteceu em vários estados e fora cognominado de “Operação Gaiola” (DANTAS, Ibarê. A tutela militar em Sergipe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.p.125). O mesmo aconteceu com Elio Gaspari, pensando as prisões de 1970 em nível nacional (GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p.314.).

Em Sergipe, além do major, também foram sequestrados e presos mais três comunistas, isto é, Jackson Barreto, Artemísio Cardoso de Resende e Adalberto Pinto de Carvalho. Dos quatro, somente o major era homem de farda e estava reformado desde 1947. Sobre o que aconteceu com o major, o militar não deixou nenhum relato sobre essa que seria a sua nova prisão. Jackson Barreto, em depoimento à Comissão da Verdade de Sergipe, relatou que “a Operação Gaiola” recolheu à prisão seis pessoas no começo de novembro de 1970.

“No dia 1º de novembro, foram detidos Adalberto Pinto de Carvalho, Artemízio Cardoso Rezende, Jackson Barreto Lima e o Major João Teles Menezes; e no dia 2 de novembro, José Alves do Nascimento, e em 3 de novembro, Nelson Gois de Souza” (Relatório Final da Comissão Estadual da Verdade “Paulo Barbosa de Araújo”. Andréa D. A. Reginato e Gilson S.M. Reis (Orgs.). Aracaju: Edise, 2020, p.171 e seguintes). Esse grupo foi levado ao 28 BC e lá, todos, menos Jackson Barreto, foram liberados alguns dias depois. Ainda segundo Jackson Barreto, depois do 28 BC, ele foi levado ao prédio novo do Quartel da Polícia Militar, onde ficou preso “por cerca de dezessete dias”.

Na documentação encontrada no Arquivo Nacional, há o registro do fato político, nome da operação ironicamente chamada “Gaiola” e os nomes dos sequestrados em Sergipe e na Bahia, mas não há referência aos dois nomes acrescentados por Jackson Barreto. É o momento de ser feita a pergunta: afinal, qual foi o objetivo dessa operação? Não passou de mais uma operação fora da lei? O historiador estadunidense Thomas Skidmore (SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p.224.) deu mais importância aos fatos, dedicando-lhes uma seção de capítulo de seu livro sobre o regime militar.

De acordo com ele, “os militares (e seus colaboradores civis) ainda viam as eleições como importante processo de legitimação. Elas tinham que ser mantidas, e manipuladas se necessário” (Skidmore,p.227). Assim, para alcançar esse objetivo, os militares desencadearam “nas grandes cidades a chamada “Operação Gaiola” (que) prendeu ou deteve na primeira quinzena de novembro pelo menos 500 suspeitos entre os quais políticos de ambos partidos, ativistas políticos e todos aqueles que as forças de segurança consideraram suspeitos”, (SKIDMORE, p.228).

O regime militar iria realizar a sua segunda eleição depois de 1966 porque, apesar de autoritário, fazia questão de manter uma “fachada democrática”, o que era também uma forma de manter a classe política com seus empregos. Os militares haviam decidido que era importante que seu partido político, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), ganhasse as eleições no país inteiro – o que de fato terminará acontecendo. Em Sergipe, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) elegeu quatro deputados estaduais e um deputado federal, todos, porém, sem vínculos com o PCB.

Onde entram as prisões do major João Teles de Menezes e de seus colegas do PCB que funcionava na clandestinidade? Os militares sabiam que quadros sergipanos do “partidão” e de outros partidos ilegais estavam “infiltrados” no partido de oposição à ditadura militar que era o MDB. Assim, podiam eleger seus candidatos e outros não necessariamente de esquerda através do único partido dissidente. Essa prática do PCB não era sua exclusividade na ditadura militar. Com efeito, antes, no regime político chamado de “experimento democrático” que antecedeu ao regime dos generais, era muito corrente, em Sergipe, membros do PCB se candidatarem pela União Democrática Nacional (UDN). Em 1946, o próprio major João Teles de Menezes havia lançado a candidatura mal sucedida de sua filha Etodéa Teles de Menezes a deputada estadual pela UDN.

A aliança do PCB com a UDN em Sergipe foi tornada possível graças a laços familiares. Explicando melhor, existiam membros de uma mesma família (Garcia) que pertenciam, ao mesmo tempo, ao PCB (Robério Garcia) e à UDN (Luiz Garcia). Os laços familiares estaduais impediam que essas duas agremiações fossem adversárias em solo sergipano. Por conta disso, quando o chefe da UDN foi eleito governador em 1954 (Leandro Maciel) e Luiz Garcia o sucedeu em 1958, assim como com a eleição de Seixas Dória em 1962, o Partido Comunista Brasileiro viveu praticamente na legalidade de fato.

A existência do bipartidarismo também teve consequências sobre a relação entre o major e Leandro Maciel. Os dois amigos e correligionários, é compreensível, deixaram de ver-se com a frequência de antes do golpe de 1964. Leandro Maciel passou a fazer parte do grupo vencedor de civis e dos militares com o novo regime autoritário instaurado, enquanto o major foi levado com seu partido para a oposição. Impossível ser diferente.

Nessa que foi a sua última prisão (o major não foi preso quando aconteceu a “Operação Cajueiro”, em 1976), não houve torturas, porém, ameaças, gritos, etc. Um novo tipo de repressão foi posto em prática: a retirada arbitrária de circulação por alguns dias de membros influentes do “partidão” para impedir que funcionassem como “cabos eleitorais”. Vale lembrar que, no processo a que respondeu o major, depois da prisão de 1964, ele já era considerado, nas palavras do responsável pelo inquérito, como alguém que usou seu “relativo prestígio (n)as campanhas políticas de alguns elementos reconhecidamente de esquerda” (Cf. ASV_ACE_4144_82).

Não foi encontrado nenhum outro registro doravante sobre o major João Teles de Menezes no Arquivo Nacional/Memórias Reveladas, a não ser uma decisão da Justiça Militar mandando arquivar processo contra o major porque ele tinha sido anistiado (Cf. BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_79000287) pela Lei no.6.6683 de 2 de agosto de 1979. À diferença de outros camaradas do PCB, o major se negou a ir para outro partido, quando isso foi permitido no mesmo ano da anistia. Essa era a última anistia na carreira militar do major começada em 1921.

* É professor de Direito da Universidade Federal de Sergipe

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