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O Brasil precisa voltar a ser uma Nação

Rosalvo Ferreira Santos*

O brasileiro, de modo geral, ainda não dá a devida importância aos rumos e objetivos da gestão macroeconômica do país. O debate econômico ainda é algo distante do cotidiano das pessoas. Esse é certamente o principal motivo pelo qual não se tem clareza sobre os fundamentos básicos dos programas de governo, notadamente sobre as diretrizes econômicas relativas à geração de emprego, redução da pobreza, aumento da renda, ampliação da produção e do consumo de bens e serviços e aumento da competitividade dos setores produtivos.

Do ponto de vista histórico, a fase de maior crescimento da economia brasileira, com estabilidade política, ocorreu durante o governo Juscelino Kubitschek (JK). Durante os anos de 1950 a 1960, um conjunto de ações do Plano de Metas foi responsável pela modernização do país, tornando o Brasil uma nação influente no cenário internacional. Nesse período, houve um aumento significativo do investimento público na infraestrutura física e social do país, com taxas de crescimento da economia de quase 8% ao ano. Esse crescimento econômico fez com que o capital produtivo internacional passasse a priorizar o Brasil dentre todos os países da América Latina para instalação de suas unidades industriais.

Infelizmente, a população brasileira não se deu conta da importância de escolher um governo que desse continuidade ao ciclo desenvolvimentista de JK. De forma apressada, sem avaliar as devidas consequências para o futuro do país, parte da classe média, induzida pelo discurso de que era preciso moralizar a política, escolheu equivocadamente aquele que iria lançar o Brasil na pior e mais duradoura crise institucional da história republicana, que foi o Jânio Quadros. A crise institucional que se abateu sobre o país culminou com a implantação de uma Ditadura Militar que perdurou por mais de duas décadas.

Nos anos 1990-1991, o país foi novamente palco de outra crise institucional, com a escolha de Fernando Collor de Mello que, travestido de defensor dos “descamisados” e combatente da corrupção, fez exatamente o oposto. Além do confisco da poupança dos brasileiros, destruiu praticamente todo o aparato estatal em termos de políticas industriais e de desenvolvimento regional. A herança do “desgoverno” Collor ainda hoje repercute negativamente no ambiente econômico e social do país.

A partir de 1994, o Brasil consegue, graças ao êxito do Plano Real implantado no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), solucionar a questão da inflação inercial, criando-se, assim, as bases para o crescimento econômico do período de 2004 a 2012, sob o comando do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse período, o Brasil conseguiu alcançar situação única na sua história econômica, quando experimentou pela primeira vez a ocupação total dos fatores de produção, atingindo a situação que os economistas chamam de pleno emprego. Como desdobramento do pleno emprego, os níveis da renda per capita e dos salários reais alcançaram patamares jamais vistos na estrutura da economia brasileira. O crescimento acumulado do produto interno bruto (PIB), nesse período, foi superior a 30%.

O fim abrupto desse ciclo expansionista está diretamente relacionado com a dificuldade de articulação política por parte da presidente Dilma Rousseff. Interesses contrariados de grupos político-partidários levaram a uma pressão sem limites ao governo da primeira mulher Presidente da República, sem que se tenha percebido a tempo a gravidade da crise institucional, aprofundada a partir de 2014, com a operação “lava a jato”.  Novamente, a população vai ser usada como instrumento para desacreditar e desestabilizar o governo, sob o falso emblema do combate à corrupção. O prejuízo econômico e social da “lava jato”, com o desmonte completo de setores produtivos, é milhares de vezes superior à alardeada recuperação de recursos obtidos a partir de delações premiadas, diga-se de passagem, pouco transparentes. A crise institucional promovida pela operação “lava jato” impediu que o esforço de incorporação dos mais pobres na economia de mercado tivesse a continuidade necessária, ao mesmo tempo em que a classe média também foi duramente afetada, haja vista a redução do seu poder de compra.

Desde então, o falso embate ideológico esquerda/direita e a falta de unidade em torno de um projeto de crescimento econômico que privilegie a melhoria das condições de vida da população brasileira, vem conduzindo o país a uma situação, no mínimo, irracional, que é a recusa em decidir o seu próprio futuro como Nação independente.

O desafio maior consiste agora em recuperar o potencial de crescimento do mercado interno, mediante a dinamização da capacidade produtiva instalada, do uso da capacidade de trabalho disponível e, sobretudo, de restabelecer a posição estratégica do país na dinâmica da economia mundial, mediante o aumento da competitividade das exportações brasileiras.

A importância estratégica do setor agropecuário foi alcançada graças aos investimentos públicos em pesquisas, conduzidas a partir da criação da Embrapa, na década de 1970.  A atual posição ocupada pelo segmento do sistema agroalimentar também pode ser conquistada nos demais segmentos econômicos, por meio da ampliação da produtividade e da obtenção de economias de escala, particularmente no segmento industrial.

É preciso recuperar o tempo perdido e restabelecer com urgência a agenda desenvolvimentista a partir de uma perspectiva moderna, que tenha como foco a competitividade produtiva, levada adiante por meio da pesquisa e da inovação tecnológica, condição fundamental para elevação da renda e da poupança do país.

A renda média da população brasileira ainda é muito baixa, comparada até com a de países de menor importância econômica. Superar a armadilha da renda média impõe a resolução de ineficiências na estrutura tributária e, sobretudo, o redirecionamento e reorganização dos instrumentos de política econômica, com destaque para a política de crédito e de juros de longo prazo, alinhada com uma estratégia de queda gradual e prolongada da dívida pública em relação ao PIB. Não custa lembrar que todos os países que conseguiram avançar no padrão de desenvolvimento econômico e social adotaram como estratégia a eliminação da pobreza, tendo por base a ampliação das oportunidades de educação e geração de emprego.

É chegada a hora de se deixar de lado posições divergentes de caráter político partidário ou ideológico para que o país possa, de fato, assegurar a todos os brasileiros o direito constitucional:

  • à vida com dignidade e plenitude, desde o nascimento até o envelhecimento;
  • à segurança alimentar, viabilizada pelos programas de transferência de renda;
  • à habitação digna, por meio de programas de moradia popular;
  • à educação de qualidade, mediante a expansão de universidades públicas e privadas;
  • ao acesso à saúde pública, por meio do fortalecimento do Sistema Único de Saúde.

A despeito de todas as adversidades, o Brasil tem novamente a oportunidade histórica de escolher um projeto de Nação, baseado numa economia competitiva, com mais oportunidade de emprego e renda, que priorize a retirada de milhões de brasileiros da situação de pobreza absoluta. Só há um caminho para se assegurar a sustentabilidade do crescimento econômico com liberdade democrática, e este caminho passa necessariamente pela defesa de valores republicanos da igualdade e da justiça social, presentes na Constituição brasileira.

*Professor do Departamento de Economia e Vice-reitor da UFS.

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