Lava-Jato: um marco no enfrentamento da criminalidade dos poderosos no Brasil
15 de maio de 2017
Orquestra Sinfônica se apresenta no Tobias Barreto
15 de maio de 2017
Exibir tudo

Notícias do caju (séc. XVI-XX)

Prof. Dr. Francisco José Alves

Departamento de História – UFS

fjalves@infonet.com.br

Para a amiga Denise Albano, filha insigne da terra dos cajus.

O caju ocupa lugar especial entre as frutas do Nordeste. Do anacardiumocidentale, na fala dos botânicos, se come o “fruto” e se faz farinha e sucos. Também se come a castanha, cozida ou torrada. No passado, o caju fazia as delícias dos tupinambá do litoral brasileiro. A tal ponto chegava a importância do “fruto” entre aquele povo que a posse dos cajueirais era motivo de guerra. Todavia, o caju não agradou somente ao silvícola. O colonizador também foi seduzido pelos encantos do fruto brasileiro.

Façamos um breve apanhado do quê cronistas, poetas e romancistas disseram sobre o célebre “fruto”.

Velha nota sobre o caju é dada pelo cronista Pero de Magalhães Gandavo. Em sua História da Província de Santa Cruz, lançada em 1576, o autor descreve o fruto e diz que “o caju come-se para refrescar”, acrescenta ele sobre a castanha que esta é mais gostosa que a amêndoa europeia. Observe-se que,sessenta anos após o descobrimento, o caju já tinha ganhado a fama de fruta saudável entre os europeus aqui aportados.

Ainda do século XVI, temos o informe de Fernão Cardim (1549-1625). O visitante deixou muitos dados relativos ao caju e seus usos. No texto Do clima e da terra do Brasil, louva as castanhas dizendo que elas “são boas para calma e refrescam muito”. O jesuíta informa também que os índios usavam o caju para fazer bebida.

O fazendeiro baiano Gabriel Soares de Sousa (1540-1592), em testemunho de 1587, fornece outra noticia sobre o anacardiumocidentale. Diz-nos o cronista que o caju tinha uso medicinal, sendo usado para combater febres e males do estomago. Vivendo na Bahia quinhentista, o cronista, muito provavelmente, se deliciou com o substancioso caju. Certamente fala com conhecimento de causa.

Dos começos do século XVII vem outra noticia dada pelo Frei Vicente do Salvador (1564-1639). O franciscano nos informa que os índios muito prezavam o caju. Segundo ele, os tupinambá, no mês de dezembro, não queriam“outro mantimento, bebida ou regalo”. O mesmo informante fala-nos que a castanha de caju era muito prezada pelas mulheres brancas. O informe do franciscano dá conta do sincretismo culinário que então se operava: as castanhas de caju vão substituindo as amêndoas europeias.

Do uso das castanhas de caju no lugar das amêndoas também fala o barroco Sebastião da Rocha Pita (1660-1738). Elencando os produtos brasileiros, em sua História da América Portuguesa (1730), ele registra que “as castanhas de caju estando maduras se come assadas e se confeitam como as amêndoas”. O mesmo Rocha Pita informa que dos maturis se faziam excelentes guisados.

O autor dos Diálogos das grandezas do Brasil, para alguns Ambrósio Fernandes Brandão, é outro cronista do século XVII a noticiar o caju. Em um dos diálogos da sua obra, Brandão destaca o caju e a castanha. As castanhas, no dizer do cronista, “são muito gostosas no comer e de muito nutrimento”. O depoente também informa que a população não-indígena havia aderido aos encantos do vinho de caju, herdado dos índios. Pelo paladar, os vencidos haviam conquistado os vencedores.

Aindano século XVII, há a notícia dada pelo jesuíta Simão de Vasconcelos (1596-1671). Em suas “Coisas do Brasil”, o religioso nos diz como era fabricado o vinho de caju. Falando do fruto, o jesuíta é hiperbólico.Segundo ele, o cajueiro é “a mais aprazível e graciosa de todas as árvores da América”. Vasconcelos é mais um a se encantar com o caju e a lhe fazer rasgados elogios.

Os registros continuam no século XVIII. O Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão (1695–1768) é uma outra fonte colonial que nos dá nota sobre o caju. Em obra de 1671, o franciscano, além de louvar os cajus, informa que eles “servem aos humanos de singular medicina para alguns achaques.” O registro do frei setecentista documenta a continuidade da crença quanto as virtudes terapêuticas do anacardiumocidentale.

Todavia, não somente cronistas noticiaram o caju, também os poetas da fase colonial celebraram o fruto. Neste rol merece menção o caso do poeta Manoel Botelho de Oliveira (1636-1711). O fruto figura em seu Música do Parnasso, vindo a lume em 1705. Verseja o artista: “de várias cores são os belos cajus/ uns são vermelhos outros amarelos/ e como vários são nas várias cores/ também se mostram vários nos sabores.” Outro poeta, o baiano frei Manoel de Santa Maria Itaparica (1704-1768), em versos grandiloquentes, retrata o fruto: “inumeráveis são os belos cajus/ que estão dando prazer por rubicundos”. Arremata o poeta dizendo da superioridade da castanha de caju sobre as amêndoas europeias.

Outra noticia poética do caju, vem de José Bonifácio de Andrada e Silva, dito “O Moço” (1827-1886), parente do patriarca da Independência. Em Rosas e Goivos, lançada em 1848, o Andrada se vale do caju como símile poético: “nos curtos lábios o jambo/ seus perfumes exalavam tão doces como o caju”. A partir de então, o caju terá presença frequente na literatura,conotando sempre doçura e suavidade, como nos versos do Andrada.

Com o romancista José de Alencar (1829-1877), atinge o caju sua apoteose literária. O fruto figura em romances como O Guarani (1857); Iracema (1865); As minas de Prata (1865); Sonhos do Ouro (1872); A guerra dos mascates (1873); e em Ubirajara (1874), último romance do autor. Em A Guerra dos Mascates, o narrador pinta uma cena de almoço: “vem o infalível manjar branco, em seguida as castanhas de caju confeitas”. Isto é, confeitadas. Nesta cena de Alencar, a castanha de caju adocicado já ganhou a cidade.

Após Alencar, o caju não deixou de figurar nasletras do Brasil. Pré-modernistas e modernistas documentam o fruto. Estes escritores registram, inclusive, o uso do caju como demarcador de tempo: “tempo dos cajus” e “chuvas dos cajus”.  Este é o caso de Franklin Távora (1842-1888) em O Matuto (1878) e Euclides da Cunha (1866-1909) em Os sertões (1902).

Figura, enfim, o caju, em um monumento da literatura nacional, Grande Sertão: Veredas (1956), de João Guimarães Rosa.Em um passo da obra, o narrador retrata o caju como um componente da dieta do sertanejo.Diz o texto: “outro [homem] trazia um embornal de couro cheio de cajus vermelhos e amarelos”.

Como se vê, o caju tem merecido variados registros ao longo dos séculos. Essa constância parece evidenciar o quão importante tem sido o anacardiumocidentale, o nosso caju.

FONTES UTILIZADAS:

GANDAVO, Pero Magalhães. História da província de Santa Cruz. São Paulo: Edusp, 1980. p. 98.

CARDIM, Fernão. Tratados da Terra e Gente do Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1978. p. 38.

SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1987.

SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. 6 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1975. P. 66.

PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Prefácio e notas de Pedro Calmon. Rio de Janeiro: W.M. Jackson, 1950. Livro I, § 39

BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. edição de Jaime Cortesão e Rodolfo Garcia. Rio de Janeiro: Dois mundos, 1943.

VASCONCELOS, Simão. Crônica da Companhia de Jesus no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1977.

JABOATÃO, Antonio de Santão. Novo Orbe Seráfico brazilico. Rio de Janeiro: IGHB, 1858. vol 2, livro 1, p. 27.

OLIVEIRA, Manoel Botelho de. Música do Parnasso. Lisboa: Miguel Menescal: 1705. p. 131.

ITAPARICA, Manoel de Santa Marica Eustachidos. Sem notas Tipográficas, Sem data, p. 125.

ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Rosas e Goivos. São Paulo: Typographia Liberal, 1848. p. 79.

ALENCAR, José de. A Guerra dos Mascates. Rio de Janeiro: Garnier, 1873. v. 1, cap. 13, p. 151.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. p. 538.

(Artigo publicado no jornal Correio de Sergipe, em 10 de Maio de 2017)

Compartilhe:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *