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No alento e na memória

Por Wagner Lemos *

Nas terras do Profeta Conselheiro, enveredei pisando devagar, com a cerimônia que se deve ter lugares santos. Postei-me em reverência e da cabeça tirei o chapéu em gesto de honra àqueles que ali viveram, construíram, foram atacados, combateram e quedaram feridos de morte.

Nos sertões de Canudos, a terra embebeu-se do sangue de milhares de mulheres, homens e crianças assassinados pelas forças militares do nosso próprio país. Brasileiros mortos por brasileiros em nome da tal república que deveria a todos proteger.

Embora não seja eu adepto frequente de imaterialidades, não posso negar e nem consigo explicar o descompassado em meu peito e a sensação de angústia ao trilhar dentre as pedras do sítio histórico de guerra. Não hei de definir e nem dimensionar meu sentimento ao olhar para as águas do rio Vazabarris e do açude de Cocorobó sob as quais estão as ruínas da antiga Canudos. Inundados, nos anos 60, durante a ditadura militar, aqueles restos de edificações foram tirados da vista sendo submersos.

Um regime de exceção não suportava que aquelas pedras tivessem o protagonismo do grito dos revoltosos a ensinar como se combate. Submergir a cidade do profeta foi um ato político de silenciamento, como tantos e tantos gestos que parecem inocentes e prosaicos.

Que ninguém se engane.

Os mortos de Canudos falam, reverberam, incomodam e ainda denunciam. As suas vozes atravessam cortando esses mais de cem anos. Balas, baionetas, canhões ou mesmo torrentes de águas não foram capazes de calar os arautos conselheiristas, que foram, no dizer Euclides da Cunha, em seu livro “Os Sertões “, vítimas de um crime no mais completo sentido da palavra.

Aprendi que é sempre tempo, real ou figuradamente falando, de descer a Canudos. Ver a História e a Literatura, sentir a pujança e a resistência que fazem herdeiros do Profeta Conselheiro, somar uma prece em sufrágio das almas dos mártires, mas também ocasião de sorrirmos na certeza de que não estamos sozinhos nas trincheiras da luta por justiça social do tempo presente.

* É doutor em Literatura (USP) e professor da UNEB.

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