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Não foi tão bom?

Quando eu era menino, uma das questões que mais me inquietavam era como seria o ano 2000. Enquanto andava pelas ruas à noite, pensando sobre com quantas e quais mulheres eu um dia deitaria, agitavam-me outros anseios. Será que a ditadura vai mesmo acabar? Será que o brasileiro deixará de ser racista? O sexo feminino deixará de ser uma categoria de segunda classe? Ainda haverá lugar para a poesia? E se uma tototó afundar na travessia para a Atalaia Nova?

Já se passaram 15 anos da virada do milênio e hoje eu olho para trás e penso nos livros que deveria ter lido e ainda não li. Lembro que os bons da sociologia estão esperando na estante, mas me vanglorio de Shakespeare e de Machado, dos clássicos gregos, dos russos e dos franceses, dos Guimarães, dos García Márquez, dos Vinicius, dos Drummond, dos Kaváfis e dos Baudelaire. Ótima escola para um mau aluno. Ulisses de Joyce parei no meio. Em busca do tempo perdido de Proust, não consegui vencer os seis volumes. Mas disso não me arrependo.

Me arrependo dos corredores, saltitantes, rastejantes e voadores que matei. Hoje, nem pescar eu gosto. Detesto ver seres vivos engaiolados, qualquer um, prefiro o bicho solto. Quero perder meu tempo, rosto ao vento, apreciando a engenharia das nuvens, o brilho de infinita variação dos verdes, cantares alegres nas manhãs de cada dia que nasce.

Venho de origem nobre, do bancário Augusto Correia e da professora Normélia Melo de Araújo, da Capela e de Aquidabã; do vaqueiro Joaquim Cardoso e da caçadora Ester Santana, de Itabaianinha. Um dia, já sem Quincas, ela teve que empunhar a espingarda de dois canos e foi buscar comida para os meninos. Meus pais, Cardoso e Luiza, me ensinaram a desfrutar de todo o bem acumulado pela família: o dom de viver em paz e ser feliz.

Projetei casas e quis ser arquiteto de prédios e praças, acabei no jornalismo. Por influência das letras, e daquela que me botou no mundo e que chorou quando eu saí de casa aos 20 anos. “O que eu fiz para você?” Ela nunca compreendeu.

Fui ungido pela simplicidade dos mestres Nelson Correia de Araújo, Áurea “Zamor” Melo, Américo Batista Cardoso, Luiz Antonio Barreto, João Costa, Wellington Mangueira, Ivan Renato Rodrigues, Eduardo Almeida, Luiz Melo, Ivan Valença, Cleomar Brandi e Amaral Cavalcante. Com eles eu aprendi que o mais importante de tudo é o homem, em qualquer circunstância e dimensão.

Fiz jornal e revista alternativa, frequentei as melhores redações, da Folha da Praia à A Tarde, da Bahia. Vivenciei o dia a dia de todos os jornais e televisões locais, e cada um acrescentou tijolinhos à minha formação profissional, mas não dá para esquecer do tempo luminoso da TV Sergipe, do romantismo do Jornal da Cidade, onde fui diretor por dez anos, da experiência de gestor público na Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, da coordenação do laboratório Ciência Press na Facom da UFBA, e do Ceav da Universidade Federal de Sergipe, onde, ao lado do inquieto Jorge Aragão, ousamos publicar livros e jornais.

Enquanto fui ali no quintal chupar um caju do pé, lembrei que trago no coração todos os dias, e quase sempre à distância, os irmãos Fernando, Ana, Haroldo, Heloísa e Luciana.

E os não menos queridos e não menos afastados amigos José Augusto Araújo, Toinho Góes, João Ramalho, Augusto Aranha e Isaias Cardoso da Silva. Com alguns deles criei desavenças, com outros fiz safadezas e alimentei vícios, mas as verdades das consciências mantêm a integridade das nossas amizades.

Desenhei, pintei, escrevi de tudo, publiquei livros, e o mais importante deles é um romance que dorme há séculos na gaveta. Conheci um pouco do mundo. Mergulhei nas águas mágicas de Fernando de Noronha, escarpei a Chapada Diamantina e o Pico da Bandeira. Enveredei pela caatinga do Nordeste e dirigi em alta velocidade pela selva amazônica. Brinquei com a neve de Bariloche, vi o Rio do alto, saltando a Pedra Bonita numa asa delta. Visitei bibliotecas, exposições e museus. Corri atrás de cangurus na Austrália, conheci a Soweto de Mandela e me encantei pela visão de Paris de cima da Torre Eiffel.

Namorei e fui namorado, sofri as dores das paixões e dos desamores, andei em casas que famílias não recomendam, bolinei a sarará Lindete em cima de uma mangueira — ela era banguela, mas tão linda! Mas caio de dengo mesmo por uma baiana que tenta me colocar no prumo todos os dias, e esse perseverar no amor me amolenga o coração. Não é, Nadia? Fiz filhas belas e de sentimentos simples e genuínos, minhas Carol e Paulinha, amantes de cachorros, gatos e papagaios.

Enfim, estou vivo para contar! Como diria minha mãe: Não foi tão bom?

Marcos Cardoso é jornalista, editor do Caderno Mercado do Jornal da Cidade, e autor de “Sempre aos Domingos: Antologia de textos jornalísticos.

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