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Lembranças do 11 de setembro de 2001

Por Clara Angélica  Porto *

11 de setembro. Há 22 anos atrás. O telefone toca. Meu filho.

– Mãe, você está bem?

– Estou, meu filho. E você?

– Mãe, você não sabe de nada?

– Nada o quê, Sasha? Agora fiquei preocupada.

– Mãe, ligue a televisão e veja. Fomos atacados. Veja a TV.

Pânico. Mil luzes vermelhas apitando na cabeça. E Vanessa? Ela saiu para trabalhar. Preciso falar com ela. Sasha e Marina estão bem. Ai meu Deus, meus filhos… aquele emaranhado de pensamentos desconexos.

Pela TV, vi o que estava acontecendo. Não havia mais as torres gêmeas. Mãe não desliga, e logo tentei falar com Vanessa. Consegui. Estava caminhando para casa, todos os transportes haviam sido suspensos. Disse que esperasse onde estava, me deu o endereço e saí escada abaixo. De camisola. Nem lembrei que ainda estava de camisola. Mas lembrei que em frente ao meu apartamento havia um senhor que dirigia um carro de aluguel. A rua estava cheia de gente. Todos olhando para o mesmo lado. Olhei e congelei: eram as torres em chamas, uma fumaça preta tomando conta de tudo. Dava para ver da Jackson St. onde eu morava, em Williamsburg. As pessoas, atônitas, quase não falavam. Todos estávamos assustados. Caminhei até a porta do senhor do carro e perguntei se podia, por favor, buscar minha filha, que eu o pagaria. Ele concordou e disse que iria e não cobraria nada. Dei o endereço e avisei a Vanessa, que já esperava. Alívio.

Ninguém notou que eu estava de camisola. Era branca, longa e decente, passou por um vestido. A essa altura, ninguém ainda tinha certeza de nada, se a destruição das torres tinha sido o ataque, ou se era o início de um ataque maior. Ou mesmo a terceira grande guerra? Em qualquer dos casos, Nova York era alvo. O zunzunzum começava.

Voltei para casa, para a televisão.

Liguei para meu filho, disse que já havia mandado buscar Vanessa. Como as pontes estavam fechadas, não poderíamos nos ver, ficarmos todos juntos, mas aí ele me falou, emocionado e contido:

– Mãe, eu estava lá. Vi tudo.

E contou que estava no escritório de trabalho, pertinho das Torres. Ouviu o barulho estrondoso da primeira torre sendo cortada pelo avião e desceu correndo. Ao chegar, em frente à torre em chamas, viu o outro avião cortando a segunda torre e a explosão foi ensurdecedora. Estupefato, viu pessoas em chamas pulando do alto da segunda torre. Outras, mesmo sem chamas, saltavam para a morte para fugir do fogo. As torres queimando e o salve-se quem puder desesperado.

Imediatamente após essa visão estarrecedora, ele voltou ao prédio, pegou a mochila e o capacete da moto e correu para sair dali. Foi a última pessoa a poder deixar o local, pois a polícia fechou toda a área. Saiu com a moto, sem olhar para trás, onde policiais, bombeiros, médicos e enfermeiros recolhiam corpos, restos, salvavam feridos e organizavam a difícil operação.
Ao chegar em casa, exausto, logo me ligou, para saber como eu estava.

Sasha foi afetado mais do que todos nós. Para mim, o ataque ao World Trade Center, onde eu já havia ido a trabalho, por lazer, onde uma amiga trabalhava (chegou alguns minutos atrasada ao trabalho, tempo suficiente para livrá-la de estar no prédio na hora do ataque), tudo ainda parecia surreal. Mesmo a fumaça preta que avistava da minha janela parecia surreal. O buraco no espaço onde até poucos minutos antes se erguiam as torres, parecia surreal. O descompasso do meu próprio coração parecia surreal. Mas para Sasha, não. Corpos em chamas caindo, pessoas jogando-se desesperadas, os gritos, as pessoas correndo, as explosões, tudo era muito real – ele viu. Ele estava lá.

Falávamos ao telefone enquanto esperávamos que as pontes voltassem a funcionar.

– Meu filho, como está você?

– Aqui mãe, ainda deitado, olhando para o teto, do mesmo jeito, desde que cheguei.

Ele morava bem perto do Central Park e eu lhe disse que fosse ao parque, “o ar livre, os pássaros, ainda é verão, tudo vai fazer com que você se sinta melhor”.

Ele foi. Ao voltar, me ligou e disse que havia ficado deitado na relva do parque, olhando o céu. Eu lhe disse que pelo menos era melhor ficar deitado, inerte, olhando o céu, com pássaros em voo, do que o teto de um apartamento.

No sábado, ele pegou a moto e foi para o escritório. Estava tudo imundo, cheio de fuligem, de poeira preta. Começou a limpar tudo, detalhadamente. Limpar fazia com que ele sentisse que a vida seguia normal, que as coisas voltariam ao ritmo e estava tudo bem. Limpou e organizou. O então chefe ligou e ficou surpreso – meu filho tinha se encarregado de fazer a volta de todos menos sofrida na segunda feira, ao tempo em que se curava.

Todos fomos nos recuperando, acompanhando as notícias, e a vida voltou pouco a pouco ao normal. Ainda éramos surpreendidos ao ir a algum lugar onde sempre íamos, e descobrir que a dona da loja estava viúva, pois o marido trabalhava numa das torres. Uma história aqui, outra ali, a cidade sem sono mudada, entristecida. Mesmo sem querer, fazendo esforço para não discriminar, as pessoas se amedrontavam nos trens, ônibus e nas ruas, ao avistar muçulmanos radicais, com burca e véus, ou kandoora e kuffiyyah nas cabeças. Nova York tem muitos árabes muçulmanos e vê-los vestidos dentro das tradições é muito comum. Nova York é uma cidade livre, onde você pode ser o que é e ninguém se surpreende, ninguém aponta dedos, ninguém nem nota ninguém. Mas logo depois do 11 de setembro, não era difícil ver assentos livres ao lado de um árabe vestido tradicionalmente no trem do metrô.

Todos os anos a imprensa relembra o 11 de setembro. O país inteiro lembra. Nova York ainda pranteia. E muitos que vivem na grande maçã, desligam os noticiários de TV. Não querem reviver o terror daquele dia do qual participaram perto demais, ao ver cenas inesquecíveis de horror, por terem perdido pessoas queridas, ou por se sentirem muito sensibilizadas, porque estavam lá.

Só consegui voltar ao WTC muitos anos depois. Está muito bonito, virou atração turística. Trouxeram até Santiago Calatrava, considerado então o maior arquiteto do mundo, para levantar o lugar. Mas a verdade é que não consegui passar muito tempo lá, talvez porque não tenha me livrado totalmente das lembranças daquele dia tão triste.

É jornalista

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