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Histórias do rio São Francisco: sujeitos, territórios e temporalidades

José Vieira da Cruz*

Pedro Abelardo de Santana** 

O dossiê Histórias do rio São Francisco: sujeitos, territórios e temporalidades tem como proposta conferir visibilidade a trabalhos que privilegiam como objeto de estudo pesquisas centradas e/ou associadas ao rio São Francisco, enquanto uma unidade geográfica, econômica, social, cultural e histórica. Os estudos selecionados, portanto,  estabelecem um fio condutor para compreensão da diversidade de temporalidades históricas, teia de sociabilidades, multiplicidades de usos dos espaços e dinâmica das instituições associadas ao processo de conquista, ocupação e povoamento do referido território – de sua nascente a sua foz  ou, dito de outra forma, do sertão das Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe ao litoral de Alagoas e de Sergipe. Dessa forma, são abordados estudos que enlaçam o fazer-se de homens e de mulheres através dos tempos em torno das nascentes, afluentes, margens, barragens, hidrelétricas e foz do Velho Chico.

Nesse sentido, dos trabalhos submetidos, apreciados e aprovados pelos organizadores  do dossiê e pelos conselhos Editorial e Consultivo da Revista, foi conferido preferência a textos que demonstraram a aplicação da abordagem eleita –  de (re) interpretação, a partir do diálogo das fontes e da bibliografia disponível, acerca das tramas, emaranhados e tecidos sociais, econômicos e culturais associados ao rio São Francisco e de suas múltiplas, plurais e dinâmicas temporalidades históricas.

Em torno desse propósito foram selecionados 12 artigos e 01 resenha de autoria de pesquisadores(as) de diferentes estados, instituições e campos de estudos. O conjunto dessas contribuições, conferem ao presente dossiê um caráter especial em razão da qualidade dos artigos, múltiplas temporalidades abordadas e diversidade de temas analisados.

Envoltos nesse eixo temático, os quatro primeiros artigos investigam o período colonial. O primeiro, intitulado “A primeira República dos Emboabas: Soberania social e soberania política no sertão do São Francisco setecentista”, retrata o citado sertão na atual Minas Gerais, no período colonial, explora um aspecto relevante da nossa história que são os poderes locais, competindo e ganhando primazia sobre a administração portuguesa. O texto seguinte, “As ilhas do rio São Francisco: Conflitos de jurisdição na formação de uma fronteira interna na América Portuguesa (1732-1758)”, trata do rio São Francisco como fronteira e as disputas pelas suas ilhas entre Pernambuco, Bahia e Sergipe, apresentando mapas e variada documentação do século XVIII. O terceiro, “Por entre os sertões de Porto da Folha/Sergipe nos séculos XVII–XIX”, aborda uma região do sertão de Sergipe, parte do atual município de Porto da Folha, outrora um morgado. A questão central trazida é a formação da estrutura agrária confrontando os interesses de pecuaristas, populações pobres, quilombolas e indígenas. O último texto referente a época colonial, “O sal da terra” nos sertões oitocentistas”, temporalmente vai do século XVIII ao seguinte, a pesquisa se refere a uma economia regional a partir das jazidas de sais que serviam para o consumo humano e a produção de pólvora, proporcionando o crescimento regional na área navegada do rio São Francisco.

Três artigos do dossiê se voltam para o período do Brasil independente. Um deles, “Alforrias em Penedo: Contexto local, questões nacionais (décadas de 1840 a 1880)”, é um extenso artigo, como esclarece o título trata sobre as cartas de alforria em Penedo, visualizando o padrão das alforrias concedidas. Ademais, dialoga, de modo atualizado, com a historiografia nacional. O texto seguinte, também sobre os escravizados, “Desordeiros turbulentos e trabalhadores comportados: Os casos do célebre Mandú e dos escravizados emancipados pelo Fundo de Manumissão em Penedo, 1876/1877”, tem como fonte o Jornal do Penedo, enfoca o cotidiano dos escravizados nos anos finais do período escravista, destacando os conceitos de sociabilidade, resistência e protagonismo. A última investigação do bloco, “Um santuário e um prodígio da natureza”: Teodoro Sampaio, o rio São Francisco e o Santuário de Bom Jesus da Lapa (1879)”, traz a visão do engenheiro brasileiro Teodoro Sampaio sobre o Santuário de Bom Jesus da Lapa, Bahia, durante uma viagem de exploração científica ao rio São Francisco em 1879. Usa variadas fontes e atenta para o controle do santuário por leigos.

Os últimos cinco artigos retratam os dois últimos séculos, XX e XXI. O primeiro deles, “O Vale e o Rio: Esboço histórico-geográfico do Baixo São Francisco, de Francisco Henrique Moreno Brandão (1905)”, aprecia uma obra sobre o rio São Francisco de Moreno Brandão, historiador alagoano influenciado pelo determinismo racial e mesológico. A obra analisada realiza uma descrição da paisagem natural. Em seguida, o texto “Sobre comerciários, matutos e operários têxteis: Interesses e conflitos em torno da questão temporal do trabalho Penedo (1957-1963)”, usando como fonte o Jornal de Penedo, faz uma análise sobre a concepção de hábitos de trabalho para três categorias profissionais: comerciários, operários e trabalhador rural. Dando prosseguimento, o artigo “Arados da reforma agrária no Sertão do São Francisco: Experiências do Peba e Lameirão, Delmiro Gouveia, Alagoas, 1986-1989”, discute as estratégias, experiências e mobilizações em defesa da reforma agrária que resultaram na constituição dos assentamentos Peba e Lameirão, no município de Delmiro Gouveia, Alagoas, Sertão do rio São Francisco, no contexto da Nova República, do I Plano Nacional de Reforma Agrária e da Constituição de 1988. Uma experiência de reforma agrária compartilhada, construída e gestada a partir de estratégias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, das práticas do Novo Sindicalismo e da metodologia da Teologia da Enxada.

Os últimos artigos do dossiê são “Petrolina (PE) através do tempo: Um estudo sobre a formação política da cidade até os dias atuais”, fala da formação política do município pernambucano com base na tese de Ronald Chilcote e explica a predominância política da família Coelho até os dias atuais, destacando os conceitos de coronelismo e assistencialismo. Por fim, o artigo “Da foz do Velho Chico à foz do rio Sergipe: Recorte temporo espacial do Litoral Norte Sergipano”, faz um estudo perpassando a história e a geografia, mostrando os perfis econômicos dessa região sergipana ao longo dos séculos, até concluir que a concentração fundiária atual força a evasão populacional para outras áreas do país.

Encerra o dossiê a resenha “Identidades indígenas e quilombolas entre vizinhos no rio São Francisco”. Faz uma apreciação do livro Tornar-se negro ou índio, de Jan Hoffman French, antropóloga americana. É uma obra recente que fala sobre a construção de novas identidades de quilombolas e indígenas das localidades Mocambo e Ilha de São Pedro.

Observa-se, portanto, que os conjunto das contribuições expostos no presente dossiê apresentam discussões acerca do processo de conquista, ocupação e povoamento do atual território brasileiro a partir de um de seus mais importantes rios: o São Francisco. Originalmente chamado pelos povos indígenas de Opará, foi também nomeado – pelos colonos, sesmeiros e sertanejos associados ao ciclo do gado – como rio dos Currais, como também, foi conhecido como rio da Integração Nacional por conta de sua extensão e por proporcionar, através de seus trechos navegáveis, uma importante via de transporte e de comunicação entre os estados do Sudeste e do Nordeste banhados por suas águas: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Além de ser um importantíssimo manancial para o abastecimento de água para consumo humano e animal, irrigação agrícola, pesca tradicional, piscicultura, geração de energia hidroelétrica e turismo.

Em síntese, os estudos acerca do rio São Francisco têm natureza sui generis para a compreensão da sociedade, cultura e história desse país de dimensões continentais,  multicultural e plural. Assim, em torno de suas margens, em diferentes momentos históricos, sujeitos com as mais diversas identidades culturais teceram incontáveis relações sociais, econômicas, políticas e culturais. O São Francisco é, portanto, um presente transpassado por uma teia de significados, sentidos e histórias.

Esperamos que apreciem o dossiê e que ele possa aprofundar, difundir e estimular  outros estudos correlacionados, boa leitura!

*Professor da Universidade Federal de Sergipe

**Professor da Universidade Federal de Alagoas

Link: para o dossiê: https://www.seer.ufal.br/index.php/criticahistorica/issue/view/527

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