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Existe relação direta ou inversa entre taxa de juros e crescimento econômico?

Rosalvo Ferreira Santos*

O Brasil é um caso sui generis em se tratando da dinâmica e funcionamento da economia. Não é de hoje que o debate sobre temas como crédito, controle da inflação, política de juros, política cambial e dívida pública expõem diferenças de interpretação e de visões entre economistas estruturalistas e monetaristas. De um lado, estão os que defendem o planejamento econômico, com foco no papel dinâmico do investimento do setor público na dinâmica do desenvolvimento do país; de outro, os que defendem que a economia, por meio dos mecanismos de mercado, tende naturalmente para um ambiente de equilíbrio estável quanto menor for a presença do Estado na economia.

A despeito da retórica do livre mercado, é preciso pontuar que a história do capitalismo mostra exatamente o contrário. Toda e qualquer economia depende necessariamente dos mecanismos de regulação para assegurar sua lógica de funcionamento. O mercado, para funcionar adequadamente, supõe regras, normas, formas de controle de acesso etc. Ou seja, o mercado é o ambiente institucional onde são estabelecidos o padrão de concorrência e, consequentemente, o grau de interação entre as diversas atividades econômicas. Nesse sentido, pode-se afirmar que a economia de mercado e suas regulamentações estão presentes tanto na feira livre de bairro, como nas relações de comércio internacional, o que muda é a escala. Além disso, as estratégias de ampliação do comércio externo sempre foi prerrogativa do Estado e a condução das políticas cambial, monetária e fiscal, também.

Estabelecido esse ponto de partida, e em resposta à questão colocada no título, este pequeno texto alinha-se com a corrente de economistas que considera que a ampliação do mercado de consumo interno depende diretamente da redução da taxa de juros. O peso excessivo da taxa de juros real, num patamar muito acima da inflação, que vem sendo imposto à economia brasileira pelo Banco Central, revela-se não só incapaz de controle efetivo da inflação, posto que não há uma inflação de demanda, como impede que economia brasileira tenha taxa de crescimento compatível com as necessidades de ampliação do nível de emprego formal e que também projete uma trajetória declinante da relação dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

A condução da política monetária pela gestão atual do Banco Central, além de desconectada com a realidade e necessidades do país, baseia-se numa ortodoxia monetarista ultrapassada e anacrônica.  A manutenção da taxa de juros no nível atual de quase 8 pontos percentuais acima da inflação é algo que não se sustenta em termos da própria racionalidade econômica. A ação do Banco Central parte da retórica monetarista de que é preferível amargar um quadro de recessão da economia, por algum tempo, do que ter que conviver com a inflação alta por longo tempo. Esse tipo de argumento é repetido pelos agentes que atuam no mercado financeiro, exatamente porque a rentabilidade dos ativos financeiros é maior, quanto menor for a taxa de inflação vis-à-vis a taxa de juros.

Além de gerar distorções entre o retorno do capital produtivo e o financeiro, taxas de juros excessivamente elevadas geram maior incerteza e reduzem as expectativas em relação às decisões de investimento produtivo, colocando a própria finalidade de combate à inflação em xeque, na medida em que o custo financeiro passa a ter forte impacto na atividade empresarial.

É sabido que a maior parte do empresariado do país é de pequeno e médio porte, que além de depender da oferta de crédito bancário doméstico, atuam em condições bastante reduzidas de alavancagem, com sérios riscos de inadimplência dada a impossibilidade de repasse do custo financeiro da tomada de crédito para os preços dos bens ou serviços. Numa situação oposta, os grandes grupos econômicos têm, não apenas capacidade de alavancagem externa a taxas de juros bem mais baixas do que as praticadas internamente, como podem, pelo alto poder de mercado que possuem, determinar o preço dos bens ou serviços que produzem.

Tal como nas situações de inflação alta, taxas de juros elevadas reduzem o poder de compra das famílias, sobretudo, das mais pobres que não conseguem pagar contas feitas em cartões de crédito, submetendo-se a novos empréstimos financeiros os quais agravam ainda mais a limitada capacidade de pagamento dos mais pobres, dado o baixo nível de renda que dispõem, comprometendo, inclusive, o nível de consumo de bens essenciais como alimentos, contas de energia, água etc., em razão da incidência de juros. Só há possibilidade de diminuição do número de famílias na situação de pobreza ou de superendividamento se houver aumento da massa de salários, isto é, aumento do nível do emprego, mediante uma estratégia de crescimento econômico sustentável.

Outro argumento que a atual gestão do Banco Central tem colocado como condição para a queda da taxa de juros é o tamanho da dívida pública no Brasil. Esse argumento não se sustenta, pois é exatamente a manutenção da política de juros altos que eleva sobremaneira a dívida em termos financeiros, impedindo que a arrecadação siga a mesma trajetória, haja vista o peso excessivo da taxa de juros. A questão que se coloca é por que a taxa de juros real no Brasil não tem nenhuma correspondência com as taxas de juros praticadas em outros países cuja dívida pública supera em muito a nossa? A questão não está no tamanho da dívida, mas na forma de financiamento. No caso brasileiro, o financiamento das contas públicas tem um caráter de curto e curtíssimo prazos, o que torna constante a rolagem da dívida a um custo financeiro sem comparação.

Por isso, qualquer aumento percentual na taxa de juros SELIC representa um aumento da dívida pública em vários bilhões de reais. O alto custo financeiro da dívida da União e dos Estados significa, na prática, menor volume de recursos disponível nos orçamentos federal e estaduais para realização de investimento em infraestrutura e nas áreas sociais de educação e saúde, por exemplo. Essa situação, além de gerar intensa instabilidade fiscal, com maior pressão para aumento tributário ou redução de despesas públicas em áreas essenciais, aprofunda a desigualdade econômica e social entre as regiões, estados e munícipios brasileiros.

De forma objetiva e real, o aumento da taxa de juros provoca queda do investimento produtivo, retira poder de compra das famílias, agrava o quadro fiscal da União, comprometendo também a receita dos Estados e Municípios. Com efeito, quanto menor for o crescimento do produto interno bruto, devido a taxa de juros elevada, menor será a arrecadação e, consequentemente, menor é a fatia de recursos do Fundo de Participação dos Estados e Municípios.

O pagamento de juros da dívida pública, em 2022, correspondeu a aproximadamente 6% do Produto Interno Bruto, num montante de mais de 580 bilhões de reais. De acordo com dados do IBGE (dados de 2020), isto representaria a soma do Produto Interno Bruto de 6 do total de 9 estados do Nordeste. E se considerarmos a Região Norte, o pagamento de juros da dívida pública representa mais de duas vezes a soma de tudo que foi produzido pelo número total de estados do Norte do país.

Como o país pode sair dessa armadilha dos juros? O país experimentou, entre 2004 e 2012, um ciclo de crescimento, cuja performance do PIB ficou acima de 4%, com melhora considerável da relação dívida/PIB, a ponto de o país passar a ser considerado grau de investimento de 2008 até 2015, dada a confiança dos investidores internacionais na capacidade de pagamento da economia brasileira. Contudo, a estratégia de crescimento baseada no consumo possui fortes limitações, uma vez que está condicionada ao nível de renda e capacidade de endividamento das famílias, e não ao grau e complexidade do investimento. O curto ciclo de crescimento foi interrompido, devido à inelasticidade da demanda da renda ou do nível de endividamento das famílias. Outro fator que determinou o encerramento desse ciclo de crescimento de forma precoce foi a crise político institucional do período 2013 a 2016.

Nas condições atuais, dada as condições favoráveis do ponto de vista da estabilidade político institucional, o processo de retomada do crescimento econômico passa necessariamente pela equalização da taxa de juros. A taxa de juros não pode ser arbitrada o tempo todo por quem detém a maior parte dos títulos públicos, nem é razoável que a definição da política monetária tenha como único objetivo o combate à inflação dissociada da necessidade de expansão do produto interno, para permitir, inclusive, trajetória declinante da dívida pública e melhora progressiva dos fundamentos macroeconômicos.

Para tanto, é necessário reduzir o grau de endividamento das empresas e das famílias. Praticamente 1/3 da população brasileira encontra-se inadimplente. Ingênuo pensar que se possa estabelecer a taxa de juros ou qualquer outra variável econômica por meio de decreto. Entretanto é fundamental que sejam adotadas estratégias para superar a dependência que existe da necessidade de financiamento da dívida pública de curto e curtíssimo prazos, inclusive com a diversificação das formas de financiamento como fazem os grandes grupos econômicos para contornar o poder de barganha do mercado financeiro nacional, dada a alta concentração bancária, face as características do ambiente institucional e do padrão de concorrência do sistema financeiro do país. Ampliar as possibilidades de financiamento por residentes externos certamente contribuirá para alargar o perfil da dívida pública e colocar num patamar razoável o retorno das aplicações financeiras no mercado de títulos públicos e seus derivativos.

Se houver entendimento do Congresso Nacional quanto às novas regras fiscais e coordenação da política macroeconômica, a gestão monetária e fiscal do país poderá, de fato, expressar bases sustentáveis para o crescimento econômico, com equilíbrio fiscal e responsabilidade social, mediante a ampliação do mercado interno e expansão e diversificação da pauta de exportações, o que possibilitará aumento da oferta de empregos formais e da massa de salários.

Embora o Banco Central alegue o caráter tecnicista e, aparentemente, neutro para manter a taxa de juros real num patamar de quase o dobro do índice de inflação, na verdade, o que isto revela é a existência de um tipo de monetarismo que privilegia o rentismo especulativo ao invés da ampliação da oferta de bens e serviços em todos os setores da economia. Por fim, a forma equivocada de condução da política de juros herdada do governo passado não pode impedir o país de voltar a ser uma economia com pleno emprego.

*Professor do Departamento de Economia e vice-reitor da UFS.

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1 Comment

  1. Sérgio Dalvi disse:

    Parabéns pelo artigo! Escrito com termos simples e compreensível a todos os leitores! Uma pena que grande parte da população, e justamente os mais pobres e necessitados, ainda está sendo conduzida pela cegueira imposta pelos detentores do poder econômico!

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