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Entrevista com um velho comunista

Marcos Cardoso*

A crise capitalista de 2008 e a ascensão da China, desafiando a hegemonia econômica e política dos Estados Unidos, parece que fez surgir no mundo uma nova Guerra Fria, mas a arma principal continua a ser o velho discurso anticomunista. Para ganhar essa guerra ideológica é preciso demonizar o comunismo.

No Brasil, o clima hostil de Macarthismo – perseguição empreendida nos Estados Unidos na década de 1950 – foi criado por militantes da extrema-direita que, desde 2018, influenciados por Olavo de Carvalho, têm dedicado bastante tempo e espaço nas redes sociais para atacar o pensamento comunista. O guru do presidente Jair Bolsonaro conseguiu convencer uma parcela significativa da direita brasileira de que toda a esquerda e até a centro-esquerda é comunista.

O que pensa um histórico comunista sobre esse debate? “A saída é pela democracia”, responde o advogado e professor Wellington Mangueira, velho militante do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, mas hoje filiado a um partido que surgiu como dissidência daquele, com o nome de PPS, agora Cidadania. Sua análise é clássica e romântica.

Ele concorda que o anticomunismo é uma estratégia de ocupação do poder, mas observa que as potências ditas capitalistas ainda demonizam o comunismo, como historicamente sempre ocorreu. “Porque o comunismo pretende ser parte da evolução histórica das sociedades” e o capitalismo só existe se concentrar a riqueza nas mãos de poucos.

“O comunismo ainda assusta pela ignorância, construída pela manifestação ideológica, produzida pelas classes dominantes através das mais diversas formas, pelos meios de comunicação”, afirma Wellington Mangueira. Ele e a mulher, Laura Marques, foram perseguidos desde que eram estudantes secundaristas e sofreram prisão e tortura na ditadura militar encerrada em 1985.

Segue a entrevista:

Marcos Cardoso – Como você observa essa nova pregação contra o comunismo? É uma estratégia de ocupação do poder que se aproveita da ignorância das pessoas para disseminar o medo e o ódio?

Wellington Mangueira – Estamos vivendo um momento crítico da humanidade. As teorias e as práticas fascistas e nazistas se colocam na ordem do dia, pondo em xeque os valores de liberdade, humanismo, fraternidade e igualdade. Em sendo assim, a saída é pela democracia.

Democracia é regime político. Capitalismo, socialismo, comunismo são sistemas econômicos. Portanto, seja qual for o modo de produção, há a possibilidade do exercício do regime democrático. Assim, é uma falsa questão contrapor a democracia ao socialismo e/ou ao comunismo e associá-la ao capitalismo.

Dito isto, afirmo que na sua pergunta encontra-se a resposta. O anticomunismo é uma estratégia de ocupação do poder… Aproveitam-se, sim, da ignorância de parte da população. E olhe que isto foi denunciado por Karl Marx e Engels no famoso “Manifesto do Partido Comunista”, de 1848, com a histórica consigna: “Um fantasma ronda a Europa, o fantasma do comunismo”.

Todas as potências unem-se numa santa aliança para conjurá-lo. E por que tudo isso? Porque o comunismo pretende ser parte da evolução histórica das sociedades, pois, assim como da comunidade primitiva, tribal, saltou-se para o regime escravocrata, e deste para o feudalismo e mercantilismo, que gerou a Revolução Industrial, esta estruturou-se na forma do regime econômico denominado de capitalismo, pois tem no capital, nas suas mais diferentes “formas de dinheiro ou de crédito”, o poder de se estabelecer como o principal meio de produção, reservado a uma classe social, que é denominada de capitalista, em detrimento da classe trabalhadora que, por não ser a proprietária dos meios de produção, vende sua força de trabalho, produzindo a “mais valia” e o lucro para os patrões, alienando-se do produto do seu próprio trabalho e tornando a sociedade cada vez mais excludente, com taxas de concentração de riquezas nas mãos de poucos e um exército de desempregados e “miseráveis”, como bem assinalou Victor Hugo.

Eis porque as classes dominantes temem o comunismo, pois que este pretende abolir todas as formas de opressão social. E, se bem que parece uma utopia, e em parte o é, a verdade é que Marx, Engels e tantos outros viram-no como parte de um processo histórico onde o socialismo seria um momento de transição, do capitalismo para o comunismo.

Ora, como a experiência da construção do socialismo real esgotou-se – apesar dos grandes avanços produzidos pela Revolução de Outubro na Rússia – a direita mundial organizou-se, mais uma vez, para conjurá-lo, pois sabe, por instinto ou por conhecimento científico, que o capitalismo é o seu próprio coveiro – para usar outra expressão de Marx. Quanto mais cresce, mais se autodevora… é a lei das selvas. E assim caminha o capitalismo, com “fake news”, com guerras, com destruição de vidas humanas. E mais, através dos mais diversos meios de comunicação pretende ressuscitar antigos chavões, carcomidos conceitos e preconceitos de toda ordem, encontrando em algumas seitas religiosas o fanatismo obscurantista de que necessita para espalhar o medo e, por consequência, a letargiar o povo, tornando-o resignado com o seu infortúnio.

A história, todavia, coloca o velho dilema: socialismo com democracia ou a barbárie com ditadura? Eis a questão.

Marcos Cardoso – Por que o comunismo ainda assusta?

Wellington Mangueira – O comunismo ainda assusta pela ignorância, construída pela manifestação ideológica produzida pelas classes dominantes através das mais diversas formas, pelos meios de comunicação.

Ademais, os exemplos que citam em desfavor do socialismo/comunismo são inconsistentes, mesmo porque o socialismo não passava de uma inspiração, de um propósito de se fazer a transição do capitalismo para uma sociedade livre da supremacia de uma classe sobre a outra. Ou seja, buscava-se, e busca-se, criar as bases materiais para se saltar do reino das necessidades para o reino da abundância.

Marcos Cardoso – Os comunistas como você e sua mulher, Laura, que sofreram na pele toda a violência da ditadura militar, se assustam? Vocês têm medo de quê?

Wellington Mangueira – A essa altura, eu com 75 anos e Laurinha com 73, só nos preocupa – já que sempre lutamos por liberdade, democracia e socialismo – a onda fascistoide que, tal qual o Covid-19, varre o mundo. Medo temos sim, de ver a miséria e a desigualdade crescerem no mundo, e morrermos antes de podermos participar das grandes batalhas que se avizinham, pois já ouso dizer que sinto o “murmúrio das massas, os turbilhões democráticos, que a liberdade produz”, como bem previu Tobias Barreto em seu célebre poema “7 de setembro”, em pleno reinado de D. Pedro II, num contraponto ao obscurantismo e ao negacionismo do Senhor Bolsonaro.

Marcos Cardoso – E qual o sonho de um velho comunista para o futuro do Brasil?

Wellington Mangueira – Quanto ao sonho deste casal comunista, eu e minha mulher Laura sonhamos com o poeta:

“Há um mundo por nascer

Um mundo que será de homens livres

Livres da fome, do medo e da ignorância

Senhores do seu próprio destino, de sua própria história

Por esse mundo lutamos!”

*Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.

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