Hoje é o Dia D da vacina em Aracaju
5 de fevereiro de 2022
Valadares diz que oferta de jagunços ao PTB foi brincadeira
5 de fevereiro de 2022
Exibir tudo

A retirada de Ana Lúcia da política

Por Afonso Nascimento *

Para este que é o último artigo sobre a deputada Ana Lúcia andei lendo o seu currículo acadêmico (diferente do currículo político) em busca de informações que pudessem enriquecer ainda mais futuras biografias políticas dessa professora que fez história no sindicalismo docente estadual e na Assembleia Legislativa.

Pela leitura do currículo acadêmico de Ana Lúcia, não dá para dizer se foi ou não uma boa estudante. Haveria a necessidade de ler o histórico escolar e conhecer as suas notas. Na escola secundária, realizada no Colégio Patrocínio de São José, ela fez o curso Pedagógico, o que equivalia ao curso profissionalizante da antiga Escola Normal – o qual, depois de concluído, já lhe deu o direito de ser professora antes mesmo de obter a sua formação universitária. Pareceu haver aqui uma opção precoce para o magistério. Ou um caso de “destino” de gênero?

Passou quatro anos no curso de Pedagogia da UFS. Em seguida fez relevantes cursos na sua área de especialização. Mas não quis fazer mestrado ou doutorado. Poderia ter saído durante sua passagem pelo sindicato e no tempo anterior em que assumiu diversos cargos de coordenadora ou como professora. Todavia, para que outros diplomas se ela já tinha se encontrado vocacionalmente?

Ana Lúcia só estudou em escola privada e, apenas com a UFS, é que botou o pé em escola pública. Provavelmente, também os seus filhos estudaram em escolas privadas. Isso tem sido uma prática muito comum entre setores da classe média brasileira. Ana Lúcia fez, ao longo de sua vida sindical e política, muitas palestras, discursos, conferências antes de sua passagem pelo sindicato e enquanto deputada estadual.

Desde que seu grupo sindical e político passou a controlar o Sintese, Ana Lúcia montou uma oligarquia ( no sentido de Robert Michels) que não permitiu que outro grupo se apoderasse do sindicato dos professores estaduais – o que equivale à oligarquia que o ex-governador Marcelo Déda impôs ao PT sergipano.

Ela não foi uma política anti-sistema. Longe disso, pôs-se de acordo com as regras do jogo político enquanto elite política, assim como gozou de todos os benefícios que vieram com a carreira de política profissional, à exceção de sua aposentadoria como política. Teve prejuízos financeiros ao não aceitar as duas aposentadorias a que tinha direito.

Ana Lúcia puxou e acompanhou de perto os embates pela gestão democrática da escola pública. Segundo ela, “a luta em defesa da gestão democrática fez parte da pauta do Movimento do Magistério Público, no final da década de 70 e início dos anos 80. A gestão democrática era bandeira do novo sindicalismo liderado pela CUT. A lei que que estabelece a gestão democrática não atende a pauta sindical, posto que prioriza a meritocracia e não estimula a democracia participativa”. De qualquer modo, os diretores e os coordenadores das instituições escolares públicas passaram a ser eleitos pela comunidade docente. Isso foi um grande progresso, posto que antes esses cargos eram ocupados por pessoas indicadas politicamente e não eleitas. Desde então, o Sintese passou a ter presença ainda mais marcante nas escolas, mas a cúpula da rede educacional ainda continua comandada por membros da classe política estadual e local. Em Sergipe, enquanto prefeitos, vereadores e outros políticos se intrometerem na administração escolar, a qualidade do ensino sempre deixará a desejar.

No primeiro do governador João Alves Filho, Ana Lúcia participou do projeto “Diretrizes para uma política de ação da SEC/SE na área de educação. Triênio 84-86”. Ela teve um papel importante na elaboração e na implmentação desse projeto joanista, que, para seus velhos e novos adversários, é objeto de críticas até hoje a ela dirigidas.

Diziam que Ana Lúcia não tem jeito para administração pública. Mas não é isso o que ela pensa. Considera que fez um excelente trabalho à frente da Secretaria de Educação de Aracaju. Com esse objetivo, no seu primeiro mandato de deputada federal, fez um grande esforço para deixar a sua marca como administradora. Já tinha experiência como gestora de vários projetos na Secretaria Estadual de Educação e como administradora do Sintese.

Em 2001, quando era secretária da Educação de Aracaju, lançou uma revista chamada “Cadernos Pedagógicos” através da qual desenvolveu o ambicioso Projeto Escola Aberta. Nela escreveu um artigo intitulado “Gestão Democrática: Estratégia política para a construção da Escola Aberta para todos em Aracaju”. Outros artigos foram escritos por Maria Tereza Leitão de Melo, Paulo Carrano. A revista tinha duas partes: Conferências e Oficinas Pedagógicas.

No pouco tempo que passou à frente da Secretaria de Educação de Aracaju, Ana Lúcia ampliou, reformou, fez manutenção e melhorou a estrutura física da rede de ensino de Aracaju. Dito de outra forma, conforme documento sobre sua gestão, “construiu oitenta e oito novas salas de aula, reformou quatorze através do convênio MEC/FNDE, fez os serviços através do convênio SEMED/EMURB/ENSURB. Desapropriou três imóveis para a construção de novas escolas, alugou prédios para ampliar a matrícula. Implantou oito escolas”. (Educação para todos. Para registrar na história)”.

Enquanto secretária de Estado da Inclusão, Assistência e do Desenvolvimento Social”, entre 2007 e 2009, ela ficou tempo demais nesse emprego. Ainda bem. O que se espera de quem comanda essa secretaria? Que pratique o pior tipo de assistencialismo e de clientelismo junto à enorme população carente estadual. Ana Lúcia foi uma política sempre interessada na emancipação das pessoas e não na sua submissão e na sua opressão. Portanto, ela não poderia ter sucesso trabalhando num tal emprego. Pediu para sair.

O financiamento de suas campanhas eleitorais veio de arrecadação feita junto a eleitores e simpatizantes, segundo me informou alguém perto dela. Suponho que o Partido dos Trabalhadorres tenha feito repasses à deputada Ana Lúcia. Um ex-vereador por Aracaju insinuou que suas campanhas poderiam ter sido financiadas pelo Sintese. Embora isso pareça verossímel, nada foi provado por ninguém. Até porque isso é ilegal. As campanhas eleitorais de Ana Lúcia eram iguais às de quaisquer outros políticos, viajando por cidades e povoados, fazendo corpo a corpo, batendo de porta em porta – com a grande diferença de ter cabos eleitorais que não eram remunerados e sem comprar de votos.

Ana Lúcia não foi uma política que ficou rica através de suas atividades como deputada estadual. Passou dezesseis anos como deputada estadual e, ao se aposentar, saiu como entrou, isto é, com sua reputação ilibida. Do seu patrimônio material declarado à Justiça Eleitoral, em 2018, consta casas herdadas de sua família e situadas na Praça Tobias Barreto. A novidade é somente uma casa de valor elevado na praia de Aruana. O seu nome nunca esteve envolvido em nenhum caso de corrupção.

Considero que Ana Lúcia conseguiu realizar o seu projeto pessoal de poder e, ao mesmo tempo, o projeto político de seu grupo. Contudo, em toda a sua trajetória, Ana Lúcia perdeu uma importante batalha: não conseguiu afastar os políticos da estruturação e do funcionamento das escolas públicas sergipanas. O seu legado é muito rico em inspiração e determinação para as novas lideranças sindicais e políticas que queiram seguir os seus passos de defensora implacável da escola pública.

* É professor de Direito da Universidade federal de Segipe.

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *