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A república das galinhas

Por Antonio Samarone *

Contratei Nininho, o melhor carpinteiro da Zona Expansão do Aracaju, para construir um galinheiro, no Solar São José. O abençoado é de Macambira. Um profissional descansado. Trabalha em câmara lenta.

A obra já entrou na terceira semana. E as galinhas esperando.

Cobrei pressa ao quase conterrâneo. Nininho, as galinhas mandaram perguntar quando podem vir para a casa nova. Ele filosofou: “doutor, morrer, a gente morre de qualquer jeito. Vamos pelo menos esticar o tempo. Quando se trabalha avexado o dia logo passa. Na valsa, o dia dura um eternidade.”

É isso, Nininho é um carpinteiro para quem não tiver pressa. Nininho trabalha em ritmo próprio. Profissional qualificado, boa gente, não cobra caro, mas não tem pressa.

Os arquitetos já sabem, quando querem um telhado complicado, chamam Nininho. Um arquiteto recém-formado, desenhou um telhado com 37 águas, com quedas diferentes, e ele deu conta.

No Solar, é somente um galinheiro.

O projeto é a criação de uma comunidade galinácea, onde todas as galinhas serão iguais perante a lei. Claro, ressalvando-se os galos. Eles são os símbolos do sol. São eles que anunciam o nascer do dia.

O galo, o vitorioso Chantecler, manda e desmanda no galinheiro. O seu privilégio é tão abusivo, que as galinhas são chamadas cientificamente de Gallus gallus domesticus. O galo é símbolo da maçonaria e da França. O galo é venerado no Islã.

Os galos são entronizados nas torres de muitas igreja. Os galos cantam, fazendo cucurucu e as galinhas cacarejam, fazendo cocorocó.

As galinhas são sacrificadas em rituais das religiões de origem africana. Por isso o cuidado: não se chuta galinha morta.

Depois que inventaram as granjas, as galinhas foram para um campo de concentração. Comem e tomam remédios 24 por dia. Desaprendem a ciscar, a sua maior habilidade. São galinhas virgens, não conhecem o galo. Em 90 dias, são descartadas para os abatedouros, encharcadas de venenos e antibióticos.

A galinha é de origem asiática. Foram domesticadas na Birmânia. As primeiras frangas chegaram ao Brasil, na Esquadra de Pedro Alvares Cabral.

O projeto é criar galinhas de capoeira. Aquelas da titela seca, com pouca carne. Vamos abolir a pena de morte, elas gozarão uma velhice digna. Terão o direito de galinharem, chocarem e constituírem famílias.

As galinhas são mães zelosas, agasalham toda a ninhada. O projeto é uma resistência as chocadeiras. Todos os pintos terão o direito ao amor materno. Acho aqueles pintos à venda em lojas de ração, tristes e infelizes.

As galinhas, e o galo, serão criadas soltas, ciscando insetos, capins, cobras, e tudo que bem entenderem. Na volta ao ninho, ao entardecer, encontrarão comida, água, conforto e cama forrada.

A Revolução dos Bichos, de George Orwell, chegará ao Solar São José.

Soube que esses galos de laboratório não cantam na hora certa. Isso pode ser agouro. Por isso, vou buscar o meu, no sertão de Paripiranga. Galos dos antigos, de crista levantada e esporão afiado. Ainda bem que as brigas de galos continuam proibidas.

O galo é um animal heráldico. Em meu galinheiro, será revogada a pena de morte. As galinhas chegarão a terceira idade, sem medo do cutelo.

O projeto servirá também ao experimento científico do professor doutor Villela (galinhas baseadas em evidências), sobre quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Uma dúvida metafísica.

Em condições favoráveis, quantos anos vive uma galinha? Não se sabe. Muito menos a vida média dos galos. Dizem que o galo quando envelhece põe ovos. Agora, o doutor Villela vai desvendar.

No projeto, as galinhas terão direito a atenção veterinária, ração fresca e água potável. Serão vacinadas contra o gogo e a murrinha.

O sonho das galinhas é levar uma vida de cachorro.

* É médico sanitarista e está secretário de Cultura de Itabaiana

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1 Comments

  1. João Daniel disse:

    Muito bom
    Parabéns Samarone uma boa discussão para compreender melhor e respeitar o tempo e a natureza tanto no trabalho quanto os animais

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