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A greve dos professores da UFS em 1963

Professor Afonso (E)

Estudantes de direito e a greve dos professores da UFS em 1963

Afonso Nascimento *

Em outubro de 1963, o Centro Acadêmico “Sílvio Romero” (CASR), dos estudantes da então Faculdade de Direito de Sergipe, era dirigido interinamente por Jugurta Barreto de Lima (ou apenas Jugurta), posto que o titular estava afastado do cargo por causa de doença. Nos dias 20 e 21 do referido mês, esse centro acadêmico esteve muito movimentado por conta da greve comandada pelo professor José Silvério Leite Fontes, que era professor do Ateneu, da Faculdade Católica de Filosofia e da já federalizada Faculdade da Faculdade de Direito. Em agosto do ano seguinte, depois do golpe militar, Jugurta e mais três colegas (Maria Laete Fraga, Roskild Motta Ferrão, João Rocha de Oliveira) estiveram no Quartel do 28º. BC, onde depuseram como testemunhas sobre a greve dos professores e dos servidores públicos estaduais. Essa greve ocorreu cinco meses antes da ruptura jurídica e política imposta pelos militares em 31 de março de 1964.

Por causa da paralização a ser realizada, os estudantes de Direito estavam divididos entre um grupo que queria aderir à greve e outro que era contra, liderado pelo mencionado dirigente do CASR. Se dependesse da direção do diretório acadêmico, representado pelo estudante Jugurta, não haveria greve dos estudantes de Direito em solidariedade aos professores estaduais. Foi preciso então que estudantes favoráveis à greve redigissem ofício com dez assinaturas exigindo a convocação de Assembleia Geral Extraordinária, para discutir sobre o ingresso ou não dos estudantes de Direito na greve dos docente estaduais por aumento salarial. Os esforços para impedir da parte de Jugurta não deram certo e, em algum momento da reunião, ele foi ameaçado de levar uma surra e ainda recebeu uma vaia – manifestações que muito frequentemente acontecem em tais eventos. O que importa é que a Assembleia Geral Extraordinária dos estudantes de Direito aconteceu no dia 20 de outubro e a maioria dos presentes votou pela participação dos estudantes na greve do dia seguinte. Para que se tenha uma ideia da alta temperatura política reinante, começou a circular um boato segundo o qual o diretor faculdade, Gonçalo Rollemberg Leite, decretaria feriado o dia da greve.  A quem interessava a divulgação de tal rumor?

Durante a assembleia, Jugurta declarou “aos colegas que aquela greve seria ilegal porque estava fora das normas estatutárias e que (eles) não eram professores e sim alunos”. Então, ele e Maria Laete Fraga foram os únicos que votaram contra a greve e foram derrotados pelos presentes que, em seguida, solicitaram que o dirigente do CASR nomeasse uma comissão de greve para informar o comando geral da greve que os estudantes de Direito apoiavam a greve dos professores. Jugurta se recusou a atender esse pedido.

Dramatizando o seu papel, o dirigente interino disse que “no dia seguinte estaria na Faculdade para assistir aula e que dali só sairia à força, depois que passassem por cima do seu cadáver”. Em outras palavras, certo ou errado, externou que seria um fura-greve. Em seguida, ainda no mesmo dia, Jugurta esteve com o dirigente titular CASR em sua casa, de quem recebeu apoio por ter-se posicionado contra a greve e por quem foi aconselhado a não comparecer à faculdade no dia seguinte.

No dia da greve, Jugurta falou ter procurado sem êxito o seu revólver em preparação para ir à faculdade e, a despeito disso, seguiu em frente. No caminho, declarou ter encontrado dois colegas, João Rocha de Oliveira e Roskild Motta Ferrão, dos quais ouviu a seguinte reclamação:” Vocês decretam suas greves e nós vamos para a escola e de lá somos expulsos porque lá chegaram um grupo de ferroviários e o professor Silvério fechando a Faculdade”. Respondeu aos colegas que fora contra a greve e que estava indo naquele momento mesmo à faculdade para lidar com o problema da “invasão” pela presença de piquete na faculdade e da “expulsão” de alunos que queriam aulas. Ouviu deles que, naquele momento, “não adiantava mais nada porque o Dr. Osman (Hora Fontes) chegou imediatamente e mandou que se abrisse a Faculdade, pois a mesma era uma repartição federal e que não se podia fechar”. Jugurta declarou que, ao chegar à escola, “encontrou a Faculdade aberta, tudo calmo, (se) dirigiu para o salão de aula, descansou alguns minutos e voltou para sua residência”.

Esse foi o depoimento de Jugurta como testemunha no Quartel do 28º. BC. O que mais queriam saber os militares dos estudantes que estiveram na faculdade durante a greve em agosto de 1964? Quem selecionou os estudantes que seriam testemunhas no 28º.BC?  Antes disso, é preciso relatar que Jugurta transmitiu recado dos militares que lhe disseram que queriam o estudante João Rocha de Oliveira como testemunha de acusação ou algo assim. Por que esse recado? Talvez porque esse estudante fez a crítica mais veemente contra a greve? As três testemunhas, com a exceção de Jugurta que chegou à faculdade depois de ela ter sido aberta pelo professor Osman Hora Fontes, declararam que, entre 8:30 e 9:00 horas da manhã, ocorreu a chegada do professor Silvério e de seu grupo à faculdade.

Todos os três estudantes afirmaram que Agonalto Pacheco, Manuel Vicente e Manuel Messias dos Santos, lideranças sindicais, não fizeram parte do grupo do professor Silvério. Talvez querendo saber se o professor Silvério era o líder do grupo, o encarregado do Inquérito Policial Militar (IPM) quis saber se era ele quem dava ordens aos demais membros do grupo, respostas foram mais na direção do “sim”, pois foi o professor Silvério quem disse “Vamos embora!”, quando decidiu que o trabalho na faculdade já havia sido concluído.

Houve convergência nos depoimentos sobre o fato de os membros do grupo do professor Silvério não serem nem estudantes, nem professores. Eram “elementos estranhos”, “elementos de outras classes”, ou seja, seriam ferroviários da Leste Brasileiro. Teriam sido essas pessoas que teriam fechado janelas e portas das salas de aula, assim que entraram na faculdade, enquanto o professor Silvério conversava com o diretor da escola.

Houve um debate interessante nas escadarias de frente para o escritório do diretor da faculdade, nos fundos da instituição escolar, entre o estudante escolhido como testemunha de acusação e o professor Silvério sobre a legalidade da greve. Segundo o estudante, a greve, “apesar de estar na Constituição, ainda não estava regulamentada e que era uma imaturidade de estudante de direito procurar direitos por caminhos que não são direitos”. A esse comentário o professor Silvério respondeu que “a greve não é um direito escrito mas era um direito inscrito na consciência dos homens”. Falou como um jusnaturalista.

Ainda de acordo com esse estudante, o professor Silvério, “fazendo outras ponderações, colocando a mão no ombro do depoente convenceu-lhe a retirar-se da Faculdade, fato deveras estranhável”. Foi esse gesto e essa fala que levaram Jugurta a falar que houve uma “invasão” e “expulsão” de estudantes pelo professor Silvério e seus ferroviários. Teria havido “coerção” ou “violência” por parte do líder sindical? Em sua conversa com o professor Silvério, antes de seu depoimento, esse estudante disse que foi aconselhado pelo professor Silvério a “contar exatamente o que ocorreu”. O estudante lamentou que sentia muito que o professor tivesse se metido naquele imbroglio.

Durante aquela manhã de greve, houve momentos de tensão, de bate-boca e quase brigas físicas entre estudantes grevistas e seus colegas contrários ao movimento paredista docente. A greve foi bem-sucedida em geral e em especial na Faculdade de Direito, mas os professores estaduais grevistas não obtiveram o aumento salarial reivindicado. A reputação do professor Silvério cresceu como liderança sindical para aqueles que o apoiaram. Para estudantes e professores contrários à greve, ele pode ter sido percebido como “agitador”, sendo não à-toa indiciado em Inquérito Policial Militar(IPM) em agosto depois do golpe militar de 1964. Em junho desse mesmo ano, sob pretexto de regulamentar o direito de greve, os militares impuseram legislação que ficou conhecida como “a lei antigreve” (Lei no. 4.330, de junho de 1964).

 * professor do Departamento de Direito da UFS, instituição em que ensina Teoria do Estado e Sociologia do Direito. Foi professor da PUC/RJ, da UFRJ/RJ, da De Paul University (EUA), entre outras universidades.

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