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A farsa da política econômica atual

Rosalvo Ferreira Santos*

A completa improvisação de objetivos, metas e ações que caracteriza a política econômica atual tem conduzido o país para um beco sem saída. A questão dos preços administrados, particularmente dos preços dos combustíveis e da energia, é prova inconteste do improviso e da falta de transparência da gestão econômica do atual governo. Não há na história do país, desde o início do Brasil República, algo que se assemelhe à irresponsabilidade e ao casuísmo de autorizar, às vésperas das eleições, o endividamento das famílias, por meio de crédito consignado, sem que as famílias tenham renda suficiente para arcar com os juros e com as parcelas dos empréstimos.

Economistas têm apontado os riscos de a economia brasileira entrar numa armadilha de endividamento das famílias num quadro de estagnação econômica, como consequência da irresponsabilidade dos gestores da política econômica com os fundamentos básicos do sistema econômico, cujos custos sociais serão percebidos inevitavelmente logo após o processo eleitoral.

O casuísmo da política econômica não é de hoje. A política deliberada de depreciação do real em relação ao dólar foi o fator determinante para que os preços dos combustíveis deixassem de ter qualquer referência com a estrutura de preços da economia como um todo. A intensa volatilidade do câmbio gerou um quadro de esgotamento da capacidade de recuperação da economia, com um ônus pesado sobre os mais pobres, uma vez que os preços dos alimentos foram os mais afetados pelo aumento dos preços dos insumos e dos transportes.

A junção da desvalorização cambial com o descontrole dos preços administrados resultou na perda de competitividade da indústria nacional, com enormes impactos sobre todos os setores produtivos, seja pela drástica redução do mark up das empresas, em virtude do aumento dos preços dos insumos, seja pela impossibilidade de se obter economias de escala, dada as restrições do lado da demanda.

A total perda de controle e de calibragem das principais variáveis macroeconômicas tem sido a tônica desde o início do atual governo. Não por acaso os preços dos combustíveis tiveram um aumento acumulado entre julho de 2021 a julho de 2022 de mais de 22%. Após quase duas décadas, a inflação voltou a registrar dois dígitos, alcançando, em março de 2022, a cifra de 11,30% no acumulado de doze meses. E, na tentativa apressada de estancar o processo inflacionário, passou-se a praticar taxas de juros cada vez mais restritivas à recuperação da economia. A taxa de juros real, descontada a inflação, é uma das mais altas do mundo. Segundo projeção feita pelos próprios agentes de mercado, deverá ser superior a 8% este ano, mantida a SELIC em 13,75%. Além de reduzir o nível de investimento, taxas de juros elevadas retiram dinheiro da economia real para pagar juros da dívida pública, além de aprofundar a situação de endividamento das famílias que tenham contraído ou venham contrair empréstimos ou dívidas de qualquer natureza.

Com a aproximação do período eleitoral, a ordem dada para a condução da política econômica passou a ser o casuísmo deliberado. No mês de abril de 2022, o Ministro da Economia anunciou reajuste de algumas categorias de servidores federais da área de segurança. Como as demais categorias passaram a exigir o mesmo tratamento, foi acenado um aumento linear de 5% para todos os servidores federais. Alegando restrições orçamentárias por conta da “lei do teto”, o governo, não apenas deixou de lado o reajuste prometido, como avançou em cortes nos orçamentos dos ministérios da Saúde e da Educação e da Ciência e Tecnologia, transferindo recursos para pastas onde os interesses eleitorais eram mais evidentes. Por conta dos cortes, o sistema federal de ensino superior está correndo sério risco de não ter orçamento suficiente para honrar as despesas deste ano, com o comprometimento das atividades das instituições que mais defenderam as medidas científicas de combate à pandemia de Covid-19 e, não seria exagero pensar que, por isso mesmo, tenham sofrido os maiores cortes.

De forma velada, a partir de julho de 2022, a equipe econômica deixou de lado a defesa estridente do teto do gasto e passou a atuar com foco em aprovar no Congresso medidas de cunho exclusivamente eleitoreiro, cujos impactos aprofundarão os problemas inflacionários, com o consequente aumento da fragilidade fiscal e agravamento da situação de endividamento das famílias. Vejamos os principais elementos dessa problemática:

Primeiro: ao retirar dos combustíveis os impostos federais, cria-se uma falsa impressão de que os preços podem ser rebaixados de forma permanente. Além de se constituir numa renúncia fiscal de caráter puramente eleitoreiro, esse mecanismo tende a gerar efeitos regressivos em cadeia nos diversos setores da economia, gerando uma pressão enorme para recomposição dos preços tão logo termine o pleito eleitoral.

Segundo: o endividamento das famílias, que já alcança níveis elevadíssimos, irá se constituir num freio à recuperação da economia, comprometendo a geração de emprego, e expondo os mais pobres a dificuldades para ter a garantia de segurança alimentar. Na economia não se faz mágica, não há como aumentar despesa sem que haja correspondente fonte de receita. Isso parece ser ignorado propositadamente para se atribuir o fiasco da atual política econômica a argumentos falaciosos quanto à falta de apoio político, embora a relação com o “centrão” seja prova exatamente do contrário.

Terceiro: o investimento público e o atendimento às políticas de saúde e educação ficarão comprometidas para o próximo ano, em razão da escolha da atual equipe econômica em sacrificar o crescimento da economia pelo uso incorreto da taxa de juros num quadro de deflação de preços. A renúncia fiscal coloca em risco a capacidade de retomada da economia, e não permite, por conta disso, que a relação dívida pública/PIB possa assumir uma tendência declinante.

Quarto: qualquer aluno nos princípios dos estudos em Economia sabe que inflação, sem aumento da demanda, gera desemprego. Da mesma forma que a deflação, queda dos preços por meses seguidos, tem como consequência o desaquecimento da oferta, gerando um problema grave de realização do ponto de vista das vendas das mercadorias produzidas, mesmo que a preços menores de venda.

A ausência completa de racionalidade e transparência da atual política econômica demonstra cada vez mais que os ensinamentos de Economia nos bancos das escolas precisam ganhar outros espaços. A população brasileira precisa conhecer os riscos da manutenção dessa política para o futuro das nossas gerações.

*Professor do Departamento de Economia da UFS. Inscrição nº 1003, CORECON/SE.

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