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O poeta do Folha da Praia

Quando fui apresentado a Amaral Cavalcante ele ostentava uma vistosa cabeleira encaracolada, um grosso bigode estilo Chevron, à Freddie Mercury, e um ar de senhor poeta. O ano era 1982 e o Folha da Praia (assim mesmo, no masculino, como ele gosta de designar) já era um jornal alternativo de vanguarda e sucesso com apenas um ano de fundado. Aliás, todos naquela redação caótica devotamente o chamavam de poeta. Eu, um estudante de jornalismo no primeiro ano do curso, e um aprendiz da poesia, ficava admirado que um poeta fosse o editor do jornal.

Com a autoridade e sensibilidade de um diretor de redação, no dia do fechamento do jornal Amaral regia aquela turba de jornalistas, intelectuais e malucos, fazendo-os produzir genialidades e excentricidades, ao mesmo tempo que finalizava cada página com o carinho do pai que troca a roupa do filho dileto para levá-lo a passear no parque. No caso, o rebento ia passear na praia, todo fim de semana.

O editor colava delicadamente as colunas compostas no Jornal de Sergipe e ilustrava os textos com um desenho a nanquim ou recortes de antigos gibis, quando o autor não recebia o prêmio de ver estampada na sua matéria uma foto de Fernando Souza, um mestre com a câmera na mão. Eu desenhava uma tira de humor e também ilustrava alguns textos a nanquim. Depois, o nanico finalizado ia para o fotolito e a offset de Ivan Valença.

Ilma Fontes, Fernando Sávio, Luciano Correia, Clara Angélica Porto, Adiberto de Souza, Carlos Magno, Ezequiel Monteiro, Zé Augusto Araújo, Carlos Walter, Augusto Aranha, dentre muitos outros velhos e jovens talentos da escrita e do jornalismo que ali encontraram o canal para veicular suas ideias e sonhos, eram os autores que davam conteúdo à publicação. Porque Amaral mesmo quase nunca escreve nos veículos que edita.

À noite, sensação do dever cumprido e curtidos da praia, onde o Folha era disputado por jovens de todas as idades e condições, muitos se dirigiam, invariavelmente, ao Barbudo’s, o bar da hora, no calçadão da Atalaia, onde Amaral Cavalcante conduzia o debate sobre literatura e, após um gole, um trago de cigarro e uma cofiada no bigodão, antes de uma sonora gargalhada, finalizava com recomendações sobre Proust, ele um reconhecido admirador de “Em busca do tempo perdido”.

O jornalista tornou-se conhecido como poeta após a publicação de “Instante amarelo”, em 1971, “poesia doce para uma atmosfera amarga de péssimas lembranças”, na descrição de Luiz Antônio Barreto. “A surpresa apresentada pelo novo poeta, logo acolhida pela crítica mais autorizada, sacudia a literatura sergipana. Desde então, o nome de Amaral Cavalcante jamais deixou de circular nos ambientes intelectuais de Sergipe”, expõe o velho e bom LAB. Foi o único livro de poesia do bardo simão-diense. Mas, também, para que mais?

Há um ano, escrevendo para o Observatório da Imprensa, de Alberto Dines, ele resumiu num título como se descobriu cronista e o que significa essa atividade recente que é a matéria-prima do presente livro: “Entre o jornalismo e a poesia encontrei a crônica”.

“Este negócio de crônica é uma grande novidade para mim. Meu chamego é a poesia. Mas ela não me quer, não me ama, torce o bico e me recrimina. Diz que dá pro Baudelaire; que eu não cheiro a girassóis; que não sei a Manoel de Barros uma insignificância de quintal. Malvada! A crônica me serve como um cocar de guizos”, consola-se.

De um trauma fez-se o cronista. Era cobrador do Sergipe Jornal e invejava a inacessível redação. Por isso “demorou meia vida para que eu encarasse o presente sestro de escrever crônicas”. E alerta: “A literatura universal não se apoquente: nada do que faço ameaça a segurança da Academia. Não percam tempo os críticos em me justificar, não busquem os meus leitores me alçar à condição de grande descritor. O que eu tento fazer, bêbado e inconsequente, é conquistar o amor da poesia”. Ah, a poesia!

(Posfácio do livro “A vida me quer bem – Crônicas da vida sergipana”, de Amaral Cavalcante – Edise, 2019)

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