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Maria enganou a quem?

Sai Maria, entra Ricardo. Simples assim, como troca de jogador numa pelada qualquer. E sem surpresas. Todos sabiam que o apoio financeiro importante de Albano Franco à reeleição da senadora Maria do Carmo Alves estava condicionado à garantia de que o filho, Ricardo Barreto Franco, primeiro suplente da chapa senatorial, assumisse a titularidade do cargo.

Sem precisar sujar as mãos em cumprimento a cidadãos periféricos, sem ter conquistado um voto sequer, ele é senador da República desde o último dia 11.

O jogo que está para ser jogado é este. Mentiras como a que Maria do Carmo contou na televisão durante a campanha eleitoral, de que cumpriria o mandato integralmente, fazem parte desse esquema mais sujo do que a lama ferruginosa do Vale do Rio Doce.

Todos sabem disso e não adianta Rogério Carvalho, o opositor derrotado, vir agora reclamar que Maria enganou o eleitor. Não é verdade, o eleitor sabe que não foi enganado. E, aliás, Rogério sabe muito bem como funciona esse esquema.

Suponhamos que Rogério Carvalho tivesse sido eleito senador e que em 2016 ele fosse eleito prefeito de Aracaju ou, em 2018, fosse eleito governador (?), a sua cadeira no Senado seria ocupada pelo primeiro suplente, o combativo vereador Emanuel Nascimento. É assim que a regra funciona.

O vereador Emanuel acabou sendo inscrito como primeiro suplente depois que a candidatura do médico Gilberto Santos foi cassada. A segunda suplência na chapa ficou com o empresário Ivan Leite.

O suplente de senador é uma aberração da nossa legislação eleitoral. É um sujeito obscuro, que não aparece no horário eleitoral, não precisa pedir voto ao eleitor, mas é assume o mandato caso o titular seja cassado, nomeado para algum cargo fora da casa legislativa, afastado definitiva ou provisoriamente por mais de 120 dias por quaisquer motivos, ou seja eleito em outro pleito.

No caso em tela, Maria se afastou do Senado e foi conduzida à importante função de secretária municipal de Assistência Social, cargo vital na campanha à reeleição do marido, o prefeito João Alves Filho. O Brasil possui 81 senadores. A atual legislatura do Senado Federal iniciou em janeiro com 10 suplentes. Eles assumiram os cargos no lugar dos titulares que se afastaram da Casa para ocupar outras funções. Dentre esses, três ministros e três governadores cederam suas cadeiras para os respectivos suplentes, que passaram a desempenhar as atividades legislativas desde o início do ano. Agora, Ricardo se soma àqueles.

Os suplentes são conhecidos como “políticos sem votos”, mas gozam das mesmas regalias dos titulares. Para eles, também é o paraíso — com a vantagem, como ironizou o antropólogo e ex-senador Darcy Ribeiro, de que não é preciso morrer para chegar lá.

O salário resvala no teto do funcionalismo: R$ 33.763,00 mensais. Os benefícios são muitos: apartamento funcional, carro e motorista à disposição, verba indenizatória para bancar gasolina e despesas do gabinete, telefone, passagens aéreas e trabalho presencial obrigatório apenas de terça a quinta-feira.

O irmão de Maria do Carmo, o médico José Alves do Nascimento, era o primeiro suplente do então senador Albano Franco e assumiu o cargo entre 1995 e 1999, quando o titular foi para o governo do Estado. Na legislatura passada, o primeiro suplente de Maria era o pastor Virginio Carvalho, que hoje é seu segundo suplente. Ele foi senador em 2008, quando ela se afastou por motivo de saúde.

Essa anormalidade é algo que parece não incomodar os políticos que suam para conquistar votos. Há propostas para reduzir o número de suplentes (hoje é obrigatório que o candidato a senador inscreva dois suplentes na chapa), nova eleição em caso de vacância e proibição da inscrição de parentes. Mas são discussões que se arrastam no tempo e não chegam a lugar nenhum.

Primeiro porque não há interesse mesmo em se discutir seriamente o tema, assim como qualquer coisa que se refira à reforma política. Depois porque não é fácil resolver uma questão que envolve candidatura majoritária e essa dificuldade acaba proporcionando o aparecimento de sugestões até ilegítimas.

Por exemplo: a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC 18/2015) que designa como primeiro suplente o candidato mais votado não eleito como titular e, como segundo suplente, o que ficar na posição subsequente.

Por essa proposta, se Maria precisasse mesmo se afastar do cargo ela seria substituída por Rogério Carvalho, que foi o segundo candidato mais votado para senador. É óbvio que isso não tem cabimento. Talvez o ideal fosse que cada coligação pudesse lançar mais de um candidato por vaga em disputa no Senado. Talvez. O que não pode é manter as regras desse jogo imoral válido como algo legal.

Marcos Cardoso é jornalista, editor do Caderno Mercado do Jornal da Cidade, e autor de “Sempre aos Domingos: Antologia de textos jornalísticos.

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