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Gente sergipana – Mané Barraca

Por Antonio Samarone *

Manoel Barraca era o xamã do Tabuleiros dos Caboclos, antigo quilombo de negros paneleiros. Foi lá que nasceu o futebol em Itabaiana. Os ricos da Praça levavam a bola de couro feita por Mestre Dé. A bola era artesanal.

Comprava-se uma vesícula de borracha (câmara de ar) e Mestre Dé encouraçava. O lugar do pito era um botão endurecido. O couro, uma sola primitiva, que ressecava com facilidade. Era necessário se passar sebo de bode capado, após cada partida. Quando essa bola primitiva molhava, o couro chupava a água e a pelota pesava mais de 5 quilos.

Nem isso não impedia o futebol feminino. As filhas de Nego Veio e as netas de Manezinho Clemente jogavam em pé igualdade, nas peladas do Beco Novo.

Nas manhãs dos domingos, o imbatível time de Mané Barraca se apresentava num tabuleiro ao lado do campo do Cantagalo. A esse tabuleiro nos chamávamos “O Campo de Mané Barraca”. Ficava defronte ao seu casebre.

Seu Manuel não cobrava pelas rezas, nem de forma disfarçada: dê quanto quiser. Mamãe preferia Dona Gemelice, para rezar nos meus quebrantos. Mané Barraca era para doença grave.

Seu Manuel Vivia quebrando pedras para fazer brita. Não existiam máquinas para isso. A brita era manual.

Seu Manuel só rezava de olhos fechados. Ele usava o ouvido, o som, para penetrar nas almas dos seus pacientes. O ouvido é o depositário da linguagem. Seu Manuel possuía um ouvido absoluto para os sofrimentos humanos.

Deus criou o mundo com a palavra, sem ela nada estaria feito, dizia o velho Xamã do Tabuleiro dos Caboclos. (No princípio era o verbo)

O escalda pé com casca de jurema de Seu Mané Barraca, tratava gota e reumatismo. Eu vi!

Seu Manuel era negro, pobre, velho e sábio. Tinha o respeito de todos. Acho que morava só, não conheci os seus filhos. Conheci a sua mãe, Dona Maria Barraca, que conheceu a escravidão.

Conheci dois irmãos de Seu Manuel; um, Euclides Barraca, casado com Dona Rosinha, guarda noturno e lanterninha do Cinema de Zeca Mesquita. Euclides (foto) era o pai de Val, Regis e Adroaldo e de três moças bonitas (Ná, Maié, Maizé).

O outro irmão era João Barraca, sapateiro, comunista, pai de gêmeos, Cosme e Damião, craques do futebol Itabaianense. Seu João era amigo de Zeca Cego, camponês que cantava a Internacional e Bella Ciao, dando vivas ao Cavaleiro da Esperança.

“Una mattina mi son’ svegliato
E ho trovato l’invaso.”

São tempos passados…

* É médico sanitarista

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