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As mulheres da República do Beco Novo

Por Antonio Samarone *

Não me lembro de mulheres gordas, patuscas e caseiras, nem de moças franzinas, neuróticas e românticas dos romances de Machado de Assis. Na República do Beco Novo, as mulheres não eram nem omissas, nem submissas. As três esposas de Armelindo, a seus modos, eram donas dos seus narizes.

O Beco Novo começava no fundo da Igreja e terminava no Tabuleiro dos Caboclos, onde nasceu o futebol, em Itabaiana. Um Beco de pobres e remediados, onde fervilhava gente e histórias.

Uma irmandade!

O Beco Novo era o Império do matriarcado. Desconheço um marido, que não fosse dominado pela esposa. Mulheres mandonas, e algumas desaforadas. Cada uma merece uma biografia. Não eram poucas. Entretanto, vou falar sobre a mais destacada.

Dona Mãezinha, baiana de Paripiranga, morena de braço forte e mãe de uma prole numerosa (15 filhos). Ela falava que preferia parir um filho a arrancar um dente. Só que, quando perguntada qual era a dor do parto, para ser engraçada, ela dizia ser a dor de cagar uma jaca.

Mãezinha criou os filhos com disciplina militar. Se precisasse o couro comia. Eram surras, cujo limite era a força do seu braço.

A família de Justino e Mãezinha levava uma vida sossegada.

Tiveram a primeira radiola do Beco Novo, que tocava os Demônios da Garoa, em toda a altura. Para mim, eram ricos. Lá em casa, não tinha nem rádio. Iracema, foi a primeira música que eu prestei a atenção, de tanto ouvir.

“Iracema, eu sempre dizia/ Cuidado ao atravessar essas ruas/ Eu falava, mas você não escutava não/ Iracema você atravessou na contramão.” Aquilo era estranho. No Beco Novo, que eu lembre, só passava de vez em quando, a marinete de Manezinho Clemente. A gente corria atrás para pegar uma punga.

Aliás, Iracema, uma morena vistosa, era também o nome da filha mais nova de Dona Mãezinha. As outras, já tinham casado.

A palavra de Dona Mãezinha era definitiva. Todos acatavam. Aliás, ela se impunha, mesmo calada.

Tive uns achaques de adolescente. Mamãe logo consultou Dona Mãezinha: o que fazer com esse menino? Mãezinha não teve dúvidas, isso só pode ser encosto. Vamos levá-lo a uma umbandista. Mamãe, mesmo católica, filha de Maria, me levou a uma sessão.

Lá fomos nós: eu, mamãe e Dona Mãezinha. Na sessão, a Mãe de Santo, com a fala modificada, parecendo uma voz incorporada do além, foi taxativa: “esse menino tem que parar de jogar bola e se dedicar aos estudos.” O caboclo estava certo, mas eu odiei e não atendi.

Mãezinha era de família de crentes (atuais evangélicos), mas não era praticante. Era uma mulher de convicções morais conservadoras.

O seu marido, Justino, era sapateiro e músico da filarmônica. A Itabaiana agrícola, era uma terra de sapateiros e alfaiates.

A vida apertou para os sapateiros e alfaiates, com a chegada dos sapatos de fábrica e das roupas feitas. Seu Justino quebrou, teve que fechar a sua tenda e migrar para a Baixada Fluminense (Queimadas), em busca de uma vida melhor. Perdi o meu melhor amigo (Everaldo, conhecido como Peba).

Os filhos mais velhos (Dedé e Dandinho), exímios sapateiros, foram fazer sapatos personalizados para ricos e famosos, numa sapataria na Barata Ribeiro. Nos sapatos de encomenda, se botava o pé na forma, e os sapatos saiam ajustados a cada pé.

Os outros filhos, Meco, Gilberto, Toninho e Messias, não sei que fim levaram. As mulheres ficaram com os maridos.

Recentemente, Toinho retornou a Itabaiana, depois de 50 anos.

Essa família sertaneja, foi mais uma que foi morrer em terra estranha. Esquecidos para sempre.

Mãezinha não se acostumou com o anonimato dos Grandes Centros. Morreu nova, com cinquenta e poucos anos.

* É médico sanitarista e está secretário da Cultura de Itabaiana.

 

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