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A outra face

Por Antonio Samarone *

O perdão é um princípio cristão esquecido:

“Ao que te ferir numa face, oferece-lhe a outra; e ao que te houver tirado a capa, não lhe negues também a túnica.” Lucas 6:29

Por outro lado, a natureza humana clama por vingança. Só se perdoa o inimigo, depois do enforcamento. A vingança é um prato servido frio.

Me deparei recentemente com essa dualidade.

Fui a uma reunião política com os trabalhadores da Saúde. Muita gente que não via há tempos. Fui abordado por um enfermeiro, com um pedido de desculpas:

“Samarone, sei que você se lembra. Certa feita, na Unidade de Saúde do Agamenon Magalhães, lhe destratei violentamente com xingamentos abomináveis. Quero lhe pedir desculpas, 30 anos depois.”

Eu fiquei decepcionado com a minha memória: não lembrava nem dele, nem das circunstâncias, nem das ofensas. Fiquei agradecido pelo gesto, mas não lembrava.

O antigo agressor, que estava acompanhado da esposa, foi muito gentil, até exagerou, dizendo que as desculpas foram forjadas depois de um longo tempo acompanhado a minha vida, para ver se alguns dos impropérios me cabia, se tinham sidos justos, e nada, eu não era o que ele pensava e merecia um pedido de desculpas.

Fiquei envaidecido com o gesto dele.

Esse fato me levou a tomar uma decisão: vou rasgar a minha lista de desafetos. Eu alimentava o desejo de um dia acertar as contas com essa canalhada. Esperava só o momento adequado para a vingança. Em alguns casos, a vingança deveria ser horrorosa.

Pensei, do mesmo jeito que a Covid apagou da minha memória esse inimigo generoso, que veio se desculpar, nada garante que não tenha apagado outros, que não colocou em minha lista gente inocente, ou que a minha memória, por conta própria, não esteja exagerando nos delitos desses inimigos fichados.

Sabe de uma coisa. Tomei uma decisão contrária à minha alma itabainense: estão todos perdoados! Anistia geral! Talvez não queira mais a amizade dos mais nojentos, mas desisto de odiá-los. São todos samambaias.

Não minimizem o meu gesto, não estou perdoando inocentes. Em minha lista tinha gente da pior espécie: muitos ingratos, falsos, mentirosos, bajuladores, invejosos, caluniadores, gananciosos, tinha de tudo.

Outra coisa, não quero nada em troca. Eu sei, existem defeitos que são imperdoáveis, mesmo assim, estão todos perdoados.

Renuncio à vingança! Talvez não lhes ofereça a outra face, nem a túnica, mas os tapas estão perdoados.

Fiquei mais leve!

* É médico sanitarista.

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