Aracaju retoma no sábado observações com telescópios
14 de abril de 2022
PRF realiza Operação Semana Santa em Sergipe
15 de abril de 2022
Exibir tudo

A morte não existe!

Por Antonio Samarone *

Recebo matinalmente telefonemas de amigos com um comunicado: “você sabe quem morreu?” Estranhamente, sou tomado pelo poder dos sobreviventes e a notícia sempre me surpreende. Ainda bem, quem sempre morre é o outro.

A certeza da morte não é inata, chegamos a ela por ouvir dizer. Por isso, é uma certeza inoportuna.

O telefonema de hoje anunciou a morte do doutor Sérgio Rodolfo. Eu, como sempre, fui tomado pelo espanto. Sério? Fiz apenas um comentário: foi um professor a moda antiga, via os alunos como cabeças de repolho, abertas ao cultivo.

A direita civilizada está acabando. O professor Sérgio Rodolfo era um grã-fino em punhos de renda. Ele amava a cultura clássica, que a chamava de “alta cultura”. Lia Balzac e Shakespeare nos originais. Conhecia Tolstói na intimidade literária.

O professor odiava o povo de forma discreta, pela indiferença. Não suportava a música popular. A herança escravocrata era entranhada em sua alma. Mas sempre polido, educado, de bons modos. Irônico, culto e bem informado.

No fundo, o doutor Rodolfo não aprovava os “modos” da direita emergente.

Dr. Sérgio Rodolfo era um fascista esclarecido.

Talvez tenha morrido de desgosto pela insolência e estupidez da nova direita. Milicianos, novos ricos, mercadores da fé, gente sem muita valia. O doutor Rodolfo envergonhava-se de alguns colegas médicos pela pobreza cultural. Gente, que após a formatura, cobriu-se com a capa da ignorância.

Ele não gostava de falar sobre isso.

O professor Rodolfo não experimentou a solidão insuportável dos moribundos, morreu quase de repente. Foi acompanhado no leito da morte por um colega humanista. Não quis o leito hospitalar.
O relato das últimas horas foi comovente.

Morreu consciente!

Agradeceu a atenção do colega que o acompanhava e disse: “Eu sinto tranquilo que isso é a minha morte”.

Nas horas finais, Rodolfo começou a desenvolver uma alucinação visual: “vejo uma luz azul, intensa e infinita. Perdi o medo. A morte não existe. A minha alma está se retirando para recolher-se a si mesma.” Fechou os olhos e morreu..

O médico que o acompanhava, um crente na materialidade da vida, me fez esse relato em um clima de incertezas.

Coincidência, o Dr. Sergio Rodolfo teve um final semelhante a Ivan Ilitch, personagem de um famoso conto de Tolstói.

* É médico sanitarista

 

 

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *