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A minha vira-latice

Por Afonso Nascimento *

Já me perguntaram sobre a minha árvore genealógica. Dediquei alguma reflexão a isso e descobri que só conheço três gerações de meus ancestrais, todos homens e mulheres livres. Daí pra trás estão meus ancestrais escravos de origem africana.

Até onde pude alcançar parentes meus, na minha família todos são mestiços dos dois lados, com predominância do sangue africano. Sou, portanto, um autêntico vira-lata de puro sangue, um vira-lata chic.

É muito difícil alguém reconstruir a sua história familiar da África até o Brasil com tantas misturas e deslocamentos – sem falar que misturas podem ter começado lá mesmo no continente africano!

Os brasileiros de origem africana viemos da África Ocidental. Descendemos de várias etnias, que aqui também se misturaram entre si, bem como com brasileiros nativos e com europeus. Não sei se existem afro-brasileiros sem misturas de sangue e… que importância tem isso?

Posso estar enganado,mas penso que só os brasileiros descendentes de imigrantes recentes e de imigrantes portugueses antigos que transmitiram suas propriedades ao longo de suas histórias familiares podem levantar suas árvores genealógicas nos cartórios, nos registros da Igreja Católica,etc. De novo aqui, exceções à parte. Os afro-descendentes entraram e saíram pobres da escravidão. Mais exceções aqui. E é a propriedade privada o melhor fio condutor para a construção de uma árvore genealógica.

Nós afro-descendentes temos nomes e sobrenomes portugueses (no Sudeste e no Sul afrodescendentes também possuem sobrenomes italianos e alemães), mas não são sobrenomes lusitanos. Coisa natural para étnicos subalternizados.

Volto à questão da minha vira-latice. Existe racismo quando as pessoas perguntam sobre a raça do cachorro do amigo. O cachorro vira-lata não presta, bom mesmo é cachorro de raça. O problema é que vira-lata também é cachorro de raça, tendo até mais de uma raça!

Ainda em relação ao cachorro vira-lata está embutido um preconceito de classe social,pois o vira-lata é um sem-teto, sem-terra, vivendo na insegurança alimentar.

Terminando essa postagem, acho que Nelson Rodrigues, o dramaturgo, foi infeliz na criação do conceito de “complexo de vira-lata pensando nos jogadores da seleção brasileira. O Brasil ainda é a maior potência do futebol mundial, um esporte nacional no qual pretos e pardos predominam.

Na conquista da primeira taça mundial, em 1958, na Suécia, é impressionante observar, quando o Brasil recebe um gol, Didi e outros pegam a bola e correm pro centro do campo, querendo jogo! Ao contrário do que pensava aquele amante do futebol, era no futebol que pretos e pardos, nossos vira-latas, nos sentíamos auto-confiantes, altivos etc.

Nós vira-latas brasileiros precisamos de mais oportunidades para levantar a auto-estima nossa e a do Brasil como um todo, porque o sangue mestiço que corre nas veias dos vira-latas, humanos ou cachorros, é sangue bom porque todos os sangues são iguais e porque só existe sangue bom em todos homens e mulheres.

* É professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe

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