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A esquerda militar: a carreira militar do major João Teles de Menezes

Por Afonso Nascimento *

A carreira militar do major começou em 1921, quando ele se apresentou voluntariamente ao Quartel do 28º. B.C. para trabalhar como praça. Tinha dezoito anos. Sabia ler, escrever e contar. As suas primeiras letras e os seus números foram estudados com sua mãe, que era professora em Laranjeiras. Em seguida, foi aluno da muito conhecida professora Possidônia Bragança na mesma terra dos orixás. Não há notícia sobre em que parte da cidade ele morava. Como vinha de uma família popular, começou a trabalhar cedo, como tropeiro ou vendedor ambulante.

O seu perfil físico foi assim descrito no quartel: “tem um metro e setenta centímetros de altura, cor morena, cabelos castanhos, imberbe, olhos pretos, boca pequena, rosto comprido, nariz afilado, (…) já vacinado, não tem sinais particulares”. (Cf. doc. funcional do 28º. B.C.). Como o futuro major escolheu a profissão de militar? Como acontece com milhares de jovens brasileiros ainda hoje, o seu ingresso na profissão militar parece estar ligado ao seu desejo de ascensão social.

Entre fins de 1923 e 1924, o tenente Augusto Maynard Gomes comandou tropa saída do 28º. B.C. despachada para Salvador onde depôs o governador baiano J.J. Seabra. Nesse momento, o futuro major João Teles de Menezes tinha apenas três anos de caserna e tomou parte da tropa de Maynard. De acordo com Ibarê Dantas, “Contaram-nos o major João Teles de Menezes e o Sr. João Sales de Campos, ambos membros da tropa que participou da deposição do governante da Bahia” (DANTAS, Ibarê. O tenentismo em Sergipe. 1ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 1974, p.90).

O tenentismo foi um movimento militar que, em 1924, que começou em São Paulo e, em seguida, também chegou a Sergipe. Os seus principais líderes sergipanos foram Augusto Maynard Gomes, João Soarino de Melo, e Eurípedes Esteves de Lima. Aqui também tinha uma agenda anti-oligárquica, queria o voto secreto, entre outras demandas. Conforme o documento funcional do 28º. B.C. já mencionado, João Teles de Menezes “tomou parte do ataque ao Quartel da Polícia Militar, comandando um grupo na madrugada de 13 de julho de 1924”.  O seu nome está incluído entre aqueles que lutaram nas “trincheiras de Itaporanga”. Foi então preso e excluído do Exército brasileiro “por incapacidade moral” (termo usado na linguagem militar de então).

No mesmo ano da Revolução de 1930, o major de novo se apresentou, por vontade própria, ao 28º. Batalhão de Caçadores e foi reincorporado na condição de 2º tenente “a contar de 13 de setembro de 1924”, quando tinha sido um revoltoso. De acordo com o mesmo documento, ele “teve conhecimento do movimento horas antes de seu início, pelo sargento José Vieira Santana”. Esses seis anos serão incorporados ausentes da instituição militar, mas sem direito a receber vencimentos do período. Como empregou o major o seu tempo de 1924 a 1930? Procurei e não encontrei qualquer registro sobre qualquer participação sua na Revolução de 1930 no livro clássico do historiador Ibarê Dantas. (DANTAS, Ibarê. A Revolução de 30 em Sergipe. São Paulo: Cortez, 1983.). Sem tirar nenhuma conclusão, faço lembrar ao leitor que o major João Teles de Menezes disse, em depoimento datado da década de 1952, ser amigo de Leandro Maciel desde 1928.

Em 1931, ele foi anistiado pelo decreto no.20.558 de 23 de abril de 1931, por ter-se envolvido “em movimentos sediciosos ocorridos no país desde 24 de outubro de 1931” e “mantido como 2º tenente”. (Cf. doc. funcional do 28º. B.C.).  Foi a sua primeira anistia, a qual incluiu civis e militares.

A Revolução Constitucionalista de 1932 foi uma tentativa de paulistas, derrotados em 1930, de restabelecer o domínio político dos fazendeiros de café sobre o Brasil. De acordo com a página na internet do 28º. B.C., essa guarnição enviou tropas militares ao solo paulista, mas não há informação sobre ida e participação do major no teatro da guerra.

Durante o período das interventorias de Getúlio Vargas, este nomeou o tenente Augusto Maynard Gomes o seu interventor federal em Sergipe. Em 1933, o major foi nomeado prefeito de Propriá pelo principal líder do tenentismo sergipano, lá ficando por quase um ano. Era um tenente apoiando outro militar de sua confiança e também revoltoso de 1924. (Cf. página da Prefeitura de Propriá na internet.).

Em 1935, o major participou do combate à Insurreição Comunista de Natal, portanto, do lado das forças da ordem. Essa insurreição armada, que também ocorreu em Recife e no Rio de Janeiro na sequência de Natal, teve a duração de quatro dias, ou seja, de 23 a 27 do mês de novembro e começou dentro do 21º. Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro na capital potiguar, depois sendo expandida para o interior daquele estado federado. Para mim, forçando um pouco a barra, essa insurreição brasileira está associada à Comuna de Paris, sendo que a tomada do poder na França durou quatro meses.

À diferença de Recife e do Rio Janeiro, na capital potiguar a insurreição foi comandada por sargentos, cabos e praças que estavam ligados ao Partido Comunista Brasileiro e à Aliança Nacional Libertadora, organização dominada por comunista nesse momento já posta na ilegalidade por Vargas. Com efeito, os oficiais em Natal se opuseram à insurreição. Depois de controlarem a capital, os rebeldes conquistaram dezessete cidades do interior. No entanto, bateram em retirada com a resistência das próprias tropas legalistas de Natal e com a chegada de tropas de estados como Paraíba e Alagoas. Todos os insurretos presos foram enviados para Recife, então sede da 7ª. Região Militar.

Segundo narrativa do comandante do 21º B.C. de Natal, os praças, cabos e sargentos queriam a adesão de oficiais e tentaram cooptar militares com patentes mais elevadas. Nas suas palavras, os insurretos “de começo condescenderam na entrada de alguns oficiais na praça sublevada, com a tola esperança de que viessem eles a aderir ao movimento, assumindo sua direção”. Ainda de acordo com a mesma fonte, os mesmos insurretos “insistiram muito junto ao 1º tenente Luiz Abner de Souza Moreira e ao segundo-tenente convocado João Teles de Menezes, sendo que à entrada do último chegaram a vivá-Io como futuro governador do Rio Grande do Norte. Tendo, porém, esses oficiais repelido com enérgica dignidade semelhante proposta, foram recolhidos presos, de sentinela à vista.” Em outras palavras, como forma de cooptação de oficiais do Exército, os rebeldes teleguiados por Moscou e por Luiz Carlos Prestes no Brasil prometeram fazer o major João Teles de Menezes o futuro governador do Rio Grande do Norte! Nessa época o major trabalhava no 21º. B.C., posto que ele não teria tido tempo para sair de Aracaju de navio e chegar a Natal no começo da insurreição comunista. (Cf. Relatório do Comandante do 21º BC, coronel José Otaviano Pinto Soares, ao Comandante da 7ª Região Militar, general Manuel Rabelo, Recife (processo nº 76, apelação nº 218, do TSN, 112 volume. Arquivo Nacional).

Escrevendo sobre a Insurreição Comunista de 1935, na mesma linha do parágrafo anterior, Homero da Costa diz que “dos oficiais do 21º B.C. que conseguem entrar no quartel e são presos imediatamente estavam os tenentes Luiz Abner Moreira e João Telles de Menezes. (O insurreto) Quintino, ao saber a prisão dos dois, manda chamá-los e tenta convencê-los a aderir ao movimento. Não consegue. No dia seguinte, à tarde, o tenente João Telles foi levado ao Hospital Miguel Couto para conversar com Giocondo Dias, que também não consegue convencê-lo.” (Cf. Costa, Homero de Oliveira. A insurreição comunista de 1935. Natal: EDUFRN, 2015, p.100.).

Naturalmente, por essa razão, o major João Teles de Mendonça não aparece na lista dos indiciados (“sendo 695 da cidade do Natal e 344 de cidades do interior do estado”), na lista por prenomes, na lista dos condenados e na lista por profissões dos participantes da Intentona Comunista de 1935 em Natal, de acordo com o Tribunal de Segurança Nacional, criado por Vargas, em 1936 (Cf. Arquivo Nacional, arquivo sobre a Insurreição Comunista.), na esteira da Lei de Segurança Nacional editada ainda em 1935. (Cf. Costa, Homero de Oliveira. A insurreição comunista de 1935. Natal: EDUFRN, 2015, cap. IV). Não foram encontrados registros de participação do major no golpe de 1937, nem na repressão da Intentona Integralista em 1938.

Em 1945, o major João Teles de Menezes apareceu na lista dos militares anistiados pelo decreto-lei no. 7.474 de 18 de abril de 1945 – para o que ainda não foi encontrada resposta. 1947 foi o ano em que o major solicitou o seu afastamento do Exército. Ele tinha mais de 25 anos de trabalho e foi para a reserva remunerada do Exército. (Cf. doc. funcional do 28º. B.C.).

Também em 1947, foi incorporado ao Quadro Auxiliar de Oficiais (QAO), conforme “o artigo 33 do decreto-lei no. 8.760 de 21 janeiro de 1946” e “promovido ao posto de 1º. tenente para o QAO” (…), “de acordo com o artigo 32 do decreto-lei no. 8.760 de 21 de janeiro de 1946”; e foi promovido ao posto de 1º. tenente para o Q.A.O., conforme o artigo 32 do decreto-lei no. 8.760 de 21 de janeiro de 1946. (Cf. doc. funcional do 28º. B.C.).

Para fechar esse texto abreviado e aqui e ali lacunoso, 1947 também foi o ano em que o major João Teles de Menezes travou conhecimento com o major Humberto Freire de Andrade e em que, sob a influência deste, deu-se a sua conversão ao comunismo e ao Partido Comunista Brasil, enquanto membro dirigente do Setor Militar. Pode-se adiantar então que o major sergipano foi um comunista tardio, sujeito de um processo que ocorreu de forma gradual, como se verá em outro espaço.

* É professor de Direito da Universidade Federal de Sergipe

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