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O Santo Antônio, as tradições juninas e Soichi Yokoi

Por Marcelo Rocha *

Treze de junho é dia de Santo Antônio, a primeira data do primeiro dos quatros santos da quadra dos festejos juninos, além dos mais populares, São Paulo também está incluso.

Fernando Bulhões y Taveira de Azevedo, restou conhecido como Antônio de Lisboa pra uns e de Pádua, para outros. Foi Agostiniano e depois Franciscano. Não apenas era teólogo, mas também filósofo, talvez por isso, também ficou conhecido por Doutor da Igreja. Escolheu para si a missão de pregador e missionário, o que parece ter feito com êxito, atraía multidões.

“Antão”, particularmente, também combatia a hipocrisia daqueles que pregavam humildade sem a exercerem, de fato.

É dia de festa no mês mais especial para nós nordestinos, é dia de fogueira na porta e fogos de artifício.

Em especial, é dia de muita expectativa para uma parcela dos estancianos – a velha guarda – que espera a “festa de Adelson”.

Adelson ao casar uma filha nos anos 80, reforçou a tradição de festas na nossa cidade Jardim. É possível que um observador atento não perceba tão bem a relevância do feito do nosso querido Adelson, afinal, em meados dos anos 80, as coisas eram bem diferentes dentro da tradição estanciana.

Apesar de desde há muito existir o barco de fogo, aquela época, o mote do São João de Estância, era a guerra de buscapé.

A ligação entre barco de fogo e buscapé era simbiótica: o barco de fogo anunciava, majestoso, ao passar no fio indo, que a partir da sua volta a guerra de buscapés podia começar. Sempre foi assim e nunca se acendeu um buscapé antes do anuncio do barco.

Ví muito disso no Caminho do Rio, na Rua do Triunfo e na Matriz, dentre outros locais. E na Matriz, o bicho pegava. Nos anos 80, somente tinhamos as roupas jeans – calças e jaquetas de um jeans grosso que protegia de verdade – que eram molhadas para suportar as faíscas. Alguns raros apareciam com algum equipamento profissional – um macacão ou capacete – e assim enfrentava-se a dança dos buscapés, saudando os barcos de fogo.

Aos que iam apenas assistir o espetáculo rústico e pirotécnico, mas não tinham coragem de “ir pro meio do fogo”, restavam as imponentes palmeiras imperiais que ornavam, principalmente, a Igreja Matriz, para se protegerem do “fogo” quando ele vinha em direção. Nada mais perigoso e desafiador ao mesmo tempo.

À época, pouco se falava em “espadas”, pois o “buscapé” era a referência. Espada era a chuvinha dos adultos. Para quem não conhece, a diferença cabal entre espada e buscapé, é que este ultimo estoura, o que impõe a quem decide brincar com ele ter de soltá-lo para não o explodir na mão, enquanto a espada não explode e, após acesa, pode ficar na mão até apagar.

E a magia do buscapé está exatamente após ele ser solto, pois começa a rabear sem direção fixa, desafiando todos ali a proteger-se dele, pois a inexistencia de sistema de estabilidade ou navegação, faz com que ele corra a esmo, tal qual o é: um projetil descontrolado.

Nos anos 80, não existia qualquer limitação para realização de guerras de buscapé, situação insustentável nos dias de hoje, é verdade. Como já devo ter comentado aqui em outra oportunidade, à época, durante o mês de junho, quem tinha medo de buscapé, planejava-se considerando o anoitecer como barreira para sair de casa: o que tinha pra fazer na rua respeitava o limite das 6 horas da noite, pois depois o buscapé estaria a espreita em qualquer esquina.

Eis que hoje, o buscapé somente está nas ruas durante a noite do dia 13 de junho, como último ato dos tradicionais festejos de Adelson, que ocorrem durante o dia, inclusive com a tradicional corrida de jegue. Olha a importância de Adelson, hoje!

Nós que gostamos da tradição, fazemos essa conta e aguardamos desde o dia 14 de junho do ano anterior o próximo 13 de junho para comemorarmos.

Hoje em dia, os barcos de fogo correm na matriz, como por exemplo no dia 11, dia do barco de fogo, agora anunciando espadas. Não temos mais a saudação buscapezeira, o rabeio do fogo e a explosão. Não precisa mais de proteção nenhuma, considerando o passado. Acredito ser dificil para a velha guarda fogueteira estanciana, ver o buscapé perdendo espaço para a espada. Para quem brincou na praça da Matriz na velha tradição, tudo isso é muito difícil de testemunhar.

Mas reitero, diante de todos os riscos e todas as importunações resultantes das guerras de buscapé, sei da inexorabilidade da mudança, realmente aquela realidade do passado é inviável, hoje.

Nesse sentido, lembro de Soichi Yokoi, o soldado japonês que se manteve automobilizado militarmente, entranhado nas florestas da ilha de Guan, mesmo após o fim da Segunda Guerra, sendo capturado somente em 1972, 27 anos após  o fim da guerra.

A cultura e a tradição japonesa lhe impeliu àquele comportamento que para nós é absurdo, mas não à toa para ele, tanto que posteriormente foi reconhecido até pelo imperador japonês.

Nossa guerra de buscapé, tal qual era no passado, já se acabou, ela sobrevive tal qual Yokoi e nesse cenário, a festa de Adelson é como se fosse a selva da Ilha de Guan, onde os Yokois estancianos podem ainda fazer sua guerra.

Guerra de buscapé.

FOGO NO BECO!

* É tenente coronel, membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do Cangaço. 

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