Por Antônio Samarone *
A indústria de carrocerias, em Itabaiana, é parte da cadeia econômica do caminhão. Junta-se a fábrica de Molas, iniciada por Clóvis, em 1957, e as oficinas de lanternagem, que teve Pelé como um dos primeiros. Pelé era o motorista do Padre Arthur e quem guardava o seu revólver.
Tudo começa em 1961, quando a Indústria de Artefatos de Madeira Nossa Senhora da Conceição, de Antonio Lauro de Moura (Tonho de Rosário), produtora de banco de rodete, cocho e prensa de casa de farinha, e lanterna de caminhão, introduziu o motor elétrico, a serra de toro, a serra de fita e a desengrossadeira, tornando-se uma indústria de fabricação de carroceria de caminhão.
A energia elétrica de Paulo Afonso, só chegou a Itabaiana em 1955.
Tonho de Rosário foi o pioneiro na fabricação de carrocerias. Pouco tempo depois, Senhor de Nel botou a segunda fábrica. Hoje, Itabaiana possui 14 fábricas de carrocerias, com uma produção média de 50 carrocerias/dia.
Antonio de Rosário nasceu nas Flechas, em 03 de janeiro de 1912. Filho de Maria de Rosário Moura, uma filha de ex-escravizados, que nasceu liberta, pela lei do Ventre Livre, de 1871. As Flechas foi uma comunidade com muitos negros, inclusive o mais famoso, Quintino de Lacerda.
Seu Antonio de Rosário era irmão de Zeca da Tapioca. Não sabiam quem era o pai, e nunca se interessaram em Saber.
A mãe veio morar na Rua Nova, praticamente num estábulo, e trouxe os filhos ainda pequenos. Viviam de patacas. Seu Gumercindo, pai de Chico do Cantagalo, cedeu um pedaço de terra para Dona Maria do Rosário plantar.
Seu Antonio conheceu a pobreza mais extrema. Não pode frequentar a escola. Muito cedo, foi trabalhar de ajudante de pedreiro, para ajudar em casa. Em pouco tempo era oficial pedreiro e mestre de obras. Um homem de talento e disposição para o trabalho.
A vida deu-lhe uma oportunidade. Na gestão de Jason Correia (PSD) na Prefeitura, Itabaiana recebeu várias obras: o matadouro, a delegacia regional, o talho de carne e dez escolas rurais. Manoel Teles, chefe do PSD, entregou a realização das obras aos mestres de obras locais, Tonho de Rosário e Antonio de Severo.
Foi o suficiente, com o dinheiro que ganhou nas obras, comprou um pedaço de terra a Dona Caçula Teixeira, a mãe de Oviedo, na Rua do Pinto (atual Campo do Brito).
Em 1951, montou no local, uma madeireira e serraria. Aqui, ele iniciava a tradição do comércio de madeiras, em Itabaiana. Troncos de Peroba Rosa, Cedro, Jacarandá, vinhático e Cumaru, chegavam do Sul da Bahia, desmatado para a plantação de Cacau.
Ao lado da serraria, construiu uma casa para mãe. A família conta, com uma certa graça, que Dona Maria do Rosário deixou como herança um papagaio e um urinol (penico). Seu Antonio ficou com o papagaio. A mãe morreu com um pequeno maço de dinheiro na mão. A família guarda até hoje, do jeito que tiraram da mão dela.
Eu vi!
Novamente, a frota crescente de caminhões facilitou o negócio. As madeireiras continuam fortes e competitivas, agora com a madeira do Pará.
Os negócios de Seu Antonio de Rosário, prosperaram: lojas de material de construção, de ferragens, vidraçarias. Abriu uma madeireira na Coelho Campos, em Aracaju.
Antonio do Rosário tornou-se um dos ricos e influentes comerciantes em Itabaiana. Contudo, nunca perdeu a simplicidade nem abandonou as raízes.
Ele recitava para os filhos e netos, um mantra que ouviu em uma barbearia no Beco Novo:
“Não se julgue necessário, nem ache que tudo é seu, pois a sorte tem o costume, de lavar de volta o que lhe deu.” Uma grande sabedoria, própria de quem não é escravo do dinheiro.
Seu Antonio de Rosário era um humanista. Os doidos da cidade, Tonho, Zé de Dalina, André, Leônidas e Marly, chegavam sempre na hora do almoço, sentava ao lado da cadeira de balanço de Seu Antonio, e saiam com a barriga cheia.
Eram todos acolhidos, menos Zé Doidinho. Esse tinha família, não precisava, era filho de Dúi do caminhão.
Tonho de Rosário casou para não ser recrutado para a Segunda Guerra. Deu sorte no casamento. Dona Marinete Menezes Moura, natural de Macambira, foi uma mulher ativa, envolvida com os negócios da família. Tiveram dez filhos: cinco Marias (Maria José, Augusta, Bernadete, Isabel e Lourdes); e cinco Josés (José Moura, Augusto, Arnaldo, Rivaldo e Antonio Moura). Dezenas de netos.
Seu Antonio era muito católico, não perdia a missa das seis, aos domingos. Um homem amante da caridade, aliás uma característica do empresariado itabaianense. A religiosidade crava duas marcas em Itabaiana: a caridade e a crença em milagres.
Seu Antonio construiu uma Capela, dedicada a Nossa Senhora do Rosário, na Rua Capitão Mendes, próximo a sua primeira residência na cidade.
Antonio Rosário, sem ter ido à escola, foi um empreendedor ético e humano. O fundador de vários negócios, todos bem sucedidos. Mestre da construção civil, serraria, fábrica de carrocerias, loja de material de construção, madeireira, loja de ferragens e vidraçaria.
Um iluminado, que está entre os grandes comerciantes de Sergipe.
Faleceu aos 95 anos, em 07 de agosto de 2007. Morreu em paz, ao lado da família. No final da vida, sofreu de Alzheimer.
Tonho de Rosário é a imagem de um homem probo, que saiu da pobreza, cresceu, ficou rico, sem nunca ter pisado em ninguém.
Venceu pelo trabalho e pelo talento.
“Pode-se vencer na vida pela inteligência, pela sorte e pela habilidade (talento), se for acompanhado pelo trabalho digno e honesto”, dizia Tonho de Rosário.
São as condições que Maquiavel exigia do Príncipe: fortuna (sorte) e virtu (talento).
* É médico sanitartista e está secretário da Cultura de Itabaiana.