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Mudança e resistência: polícias e Termo Circunstanciado de Ocorrência

A implementação de novos paradigmas são fundamentais à segurança pública em nosso país. Independente de força policial A ou B, o fundamental é buscar o bem da sociedade. Se há um fim em si mesmo, no âmbito do Estado, esse fim só pode ser o bem estar da coletividade.

O modelo policial de segurança pública brasileiro é formado por cinco forças, nos âmbitos estadual, federal e municipal. Excetuando a  policia ferroviária nacional, ainda existente à época da Constituição Federal em vigor, hoje extinta.

Nesse modelo, delineado nos anos 60 e corroborado em 1988, o ciclo do policiamento divide-se em duas fases:, em uma a uma atuação exclusiva na parte preventiva, que cabe à polícia militar e à polícia rodoviária federal; na outra, o serviço reativo, pós crime, que cabe à polícia civil e federal.

Ocorre que ao esse modelo mostra sinais de esgotamento, vez que a divisão do ciclo policial claramente cria uma sobrecarga ao Estado, por necessitar manter duas estruturas distintas para se executar o mesmo serviço. Além da questão estrutural, o próprio atendimento dos clientes (vítimas), é retardado, ante a necessidade de se repassar a ocorrência a outra autoridade, o que determina não a continuidade equilibrada, mas o recomeço no atendimento. Perde-se toda a agilidade necessária à qualquer atendimento de emergência. (Importa lembrar, que o foco aqui são esses atendimentos, os emergenciais, que denotam uma situação peculiaríssima: tanto a vítima necessita de atendimento imediato, quanto essa agilidade é diferencial no flagrante, quanto o Estado tem obrigação de assegurá-lo, inclusive para que a equipe policial logo esteja de volta ao seu serviço nas ruas).

Ora, dessa forma, a agilidade  tende a ser afastada, vejamos: vamos presumir um Estado onde não há delegacia de polícia funcionando 24 horas, nem mais de uma equipe PM de serviço (que permita cobrir a eventual saída da equipe principal) em todos os Municípios.

Logo, uma prisão em flagrante vai significar a saída da equipe PM do seu Município sede em busca de uma delegacia noutro Município, deixando sua sede a descoberto no período compreendido entre os deslocamentos ida e volta, a  espera e a lavratura do flagrante. Se imaginarmos so nos deslocamentos, teremos de trabalhar com o mínimo de uma hora em média.  Não parece ser necessário computar o tempo gasto nas delegacias, pois existem ainda muitas variáveis, desde o volume de ocorrências que variam a depender do dia da semana, o horário e, ainda, a sobrecarga de ocorrências advindas de outros municípios. Nesse sentido, já se ouve falar em períodos de 1 hora até 8 horas para conclusão de uma ocorrência/registro do fato.

Em que pese o país ter debatido o ciclo completo amplo nessas últimas semanas, hoje, direcionaremo-nos ao TCO. Tema recorrente nesse espaço e um ciclo completo restrito aos crimes de menor potencial ofensivo (pena máxima de até 2 anos).

A possibilidade de lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência por policial militar, oportuniza ao cidadão vítima, ser atendido pelo PM no local da solicitação ou do fato e ali mesmo, ter sua ocorrência solucionada, com os devidos encaminhamentos à justiça e, portanto, a responsabilização criminal, conforme o caso.

Tal possibilidade decorre da Lei 9.099/95.

A adoção dessa ferramenta nas polícias militares estaduais,  deu-se apenas em fins dos anos 90, na região sul. Ainda não tendo alcançado todas as unidades da Federação, mas já se colhendo frutos como ganhos motivacionais e operacionais.

As guarnições, ao perceberem que podem resolver ocorrências que até então eram de solução cansativa e desgastante como as de “som alto” (na qual a recusa dos DP´s em receber flagrantes sem a presença física das vítimas, que em regra não comparecem por diversos motivos, inclusive por serem vizinhos, o que torna a situação sempre bastante delicada,, impunham às equipes apenas a função de “pedir para baixar o som” procedimento de nenhuma eficácia e fomentador de depressor da autoridade policial), passaram a trabalhar com maior segurança e certeza da efetividade das ações, por saberem poder fazer apreensões ao invés de “pedir pra baixar o som”.

Esta mesma segurança e certeza traduzem-se, não apenas na efetividade da ação, mas na agilidade do seu atendimento. Temos relatos de ocorrências resolvidas em aproximadamente 30 minutos. Se compararmos à 1 hora gasta somente no deslocamento em busca de um DP em outro Município, veremos que somente nesse tempo, é possível solucionar 2 ocorrências com aplicação do TCO.

A título de exemplo, tomemos um fato ocorrido em nosso Estado: o Pelotão de Polícia Ambiental, que foi a primeira unidade da PMSE a lavrar TCO em 2009 (ao lado da 3ª Cia/8ºBPM) em uma noite de serviço, atendeu 12 ocorrências de “som alto”, com a respectiva lavratura do Termo Circunstanciado e apreensão do material. Destaque-se: os 12 termos foram lavrados por uma única equipe!

Nos processos de implantação e/ou reimplantação dessa ferramenta, algumas resistências culturais podem ocorrer. Por parte das PM´s, é normal vigorar (informalmente) a crença de que aquilo era apenas “mais serviço”, ou seja, algo que sobrecarregaria suas atribuições sem  nenhum resultado prático ou melhoria para o dia-a-dia. Já por parte das polícias civis, a resistência decorre do entendimento que o Termo Circunstanciado PM é usurpação de função.

Quanto à primeira resistência, nas unidades onde foi instituído, a própria prática diária e a percepção dos resultados serviu como redutor da tensão. Quanto à segunda resistência, esta foi manifestada através do manejo de ações judiciais defendendo o entendimento da usurpação de função, mas sem êxito, vez que no entendimento dos tribunais superiores a lavratura do TCO não engloba nenhum ato de investigação (ou qualquer outro de polícia judiciária). Tanto que são os próprios Tribunais de Justiça e Federal quem regulam o recebimento dos citados Termos.

Em sendo o Termo Circunstanciado de Ocorrência devidamente estabelecido em Lei, foi instituído em nosso Estado – tendo o Cel Ramos ficado à frente do grupo de implementação –  a partir do modelo em vigor no Rio Grande do Sul.

Por fim, os impactos da implementação do Termo Circunstanciado na PMSE ainda não foi esmiuçado tecnicamente até a presente data. É importante frisar que, em 2012, uma mudança na normatização interna do próprio TJSE, resultou na suspensão do TCO PM. Mas, há algumas semanas, isso foi revisto e a lavratura do TCO PM foi retomada.

Hoje, ele voltou a ser realidade. E os “feedbacks”  iniciais apontam resultados razoáveis. Sem dúvidas, muito ainda há que se fazer e aperfeiçoar. Mas  o processo lento e gradual de mudança proporcionado por ele, nos permite vislumbrar  novas possibilidades operacionais e motivacionais, até então esquecidas, forçosamente.

Só isso, já vale a pena.

Eduardo Marcelo Silva Rocha é Capitão Polícia Militar de Sergipe

 

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