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Notícias da Maniçoba (1605-1966)

Maniçoba lagartense com charque, cuscuz e farinha de mandioca

Prof. Francisco José Alves

(Departamento de História UFS)

E-mail: fjalves@infonet.com.br

Para a professora Aline Rocha, entusiasta apreciadora da maniçoba lagartense, com o apreço do autor.

Na culinária brasileira, um legado dos indígenas é a maniçoba. O prato se inclui no rol dos derivados da mandioca, como o beiju, o mingau de puba, a farinha e o bolo de aipim. O dicionarista Antonio Houaiss (1915-1999) assim apresenta a maniçoba: “iguaria preparada com folhas tenras de mandioca ou maniva, acrescidas de carne suína e temperadas geralmente com alho, sal, louro e pimenta”.

O etimólogo Antonio Geraldo da Cunha (1924-1999) consigna sobre o prato: “guisado feito com grelos de mandioca, carne e peixe.” O mesmo estudioso dá a etimologia do termo na língua tupi: “folha de mandioca”.

Tomando como base e guia o citado tupinólogo, vejamos alguns registros da substanciosa iguaria.

A menção mais antiga sobre a maniçoba vem do início do século 17 (1605), dado pelo jesuíta Fernão Guerreiro (1550-1617). Num relatório sobre feitos dos jesuítas no Brasil, nos anos de 1600 e 1609, o religioso documenta a iguaria. Diz ele: “São umas folhas peçonhentas as quais pisam, espremem e depois secam ao sol…”. Três anos após o registro de Fernão Guerreiro, um outro jesuíta, o padre Luiz Figueira (1574-1643), fala da maniçoba. O texto relata uma missão dos seguidores de Loyola no Maranhão nos idos de 1608. Aqui o consumo da maniçoba ocorre numa situação de penúria alimentar. Registra o jesuíta: “viemos a lançar mão da maniçoba (…)”.

Do século 18 vem dois outros registros sobre a maniçoba. O primeiro data de 1730 e é dado pelo cronista Sebastião da Rocha Pita (1660-1730). O autor, passando em revista as coisas e as gentes do Brasil, informa sobre a iguaria em tela: a maniçoba “se guiza das folhas de mandioca”. Pita inclui a maniçoba no rol de “ervas naturais comestíveis”.

O outro documento setecentista vem do poeta frei José de Santa Rita Durão (1720-1784). A menção a maniçoba consta de um poema do frei louvando o descobrimento da Bahia, personificado na figura de Diogo Alvares Caramuru. Ele inclui a comida junto ao quiabo, o jiló, e o maxixe. Diz: “A maniçoba peitoral louvada.”. O qualificativo “peitoral” dado pelo poeta ao prato, no contexto parece significar que a maniçoba fazia bem ao peito, tinha algo de medicamento, fortalecia. Antes de Durão, Rocha Pita também fala deste predicado do prato.

Vem do século 19 um testemunho do consumo da maniçoba na Amazônia. O registro, desta feita, é dado pelo crítico literário, etnógrafo e historiador José Veríssimo Dias de Matos (1857-1916), conhecido como José Veríssimo. Em obra lançada em 1886, o autor pinta a refeição de um amazônico de grande apetite. O indivíduo, após comer outras diversas iguarias, ataca “o seu prato predileto, a maniçoba, preparada com mocotós de paca e grelos de mandioca”. A menção de Veríssimo evidencia o consumo da maniçoba fora do Nordeste, sua ampla difusão no território nacional.

Na ficção do século 20, a maniçoba figura em alguns registros. É o caso de Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado (1912-2001), lançado em 1966. Numa cena do romance, o folgado marido de dona Flor, Vadinho, reúne os amigos para o regabofe dominical. Do cardápio consta “rabadas e sarapatéis, maniçobas e vatapás”. Vale informar, para quem não leu o romance, que a esposa de Vadinho, dona Flor, era exímia cozinheira.

Fontes Utilizadas:

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. p. 1234.

CUNHA, Antônio Geraldo da.Dicionário Histórico das palavras portuguesas de origem Tupi. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 205.

GUERREIRO, Fernão. Relação anual das coisas que fizeram os padres da Companhia de Jesus nas suas missões […] nos anos de 1600 a 1609. 1605. Coimbra: Imprensa da universidade de Coimbra, 1930. Tomo. 1.Das coisa do Brasil, Angola e Cabo-verde. Capítulo III.  p.382.

FIGUEIRA, Luiz. Relação da missão do Maranhão. Em: LEITE, Serafim. Luiz Figueira… Lisboa: Agência Geral das Colônias, 1940. p. 115.

PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Jackson: 1950. Livro I. § 40. p. 21

DURÃO, Frei José de Santa Rita. Caramuru. Lisboa: Regia Oficina Typographica, 1781.

VERÍSSIMO, José. Cenas da vida amazônica Nova edição:Rio de Janeiro: Laemmert, 1899. p. 2.

AMADO, Jorge. Dona Flor e seus dois maridos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Capítulo 21. p. 174

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